A frente democrática,
o centro político e as reformas
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
Fevereiro, coração do Carnaval
Brasileiro, quando o país trabalha minimamente. O tempo passa com um ritmo
diferente, certa languidez envolve tudo o que acontece, parece que de repente o
Krónos, o tempo real segundo os
gregos da Antiguidade, o tempo da atividade, pressa, ação e ambição, é
deslocado em apenas um mês para os Kairós, "tempo para si", para certa
introversão, para a contemplação, do prazer e do descanso dos longos
crepúsculos. O tempo em que o celular perde sua urgência insólita, a menos que
seja usado para fins recreativos.
Pode ser também um momento de
reflexão, de interrogação sobre o sentido das coisas e da vida, do que foi
feito no ano anterior e do que nos espera a partir de março, quando os músculos
que dormiam despertam e a ambição que descansava voltam a se triturar nos
sonhos tão mesquinhos, parafraseando Cartola em seu samba O mundo é um moinho, que bem poderia ser uma homenagem a Karl
Polanyi.
A reflexão deve ser particularmente
importante para aqueles da Frente Democrática que colocaram, por decisão da
vontade popular, a liderança do país em seus ombros.
Se o fizerem honestamente, não poderão
ficar satisfeitos com o pouco que fizeram no pouco tempo, e não só por causa de
sua inexperiência na condução dos negócios públicos, mas também por causa de
sua orientação confusa pela ausência programática que sequer moldou. Parece, em
todo caso, um governo de partida lenta.
Na verdade, não deve ser fácil
entender que a ação pública não é pura questão de vontade e que a prudência, a
gradação e o andar sereno não foram desculpa para acomodar pusilânimes, mas sim
uma opção responsável para quem deseja conseguir fazer as mudanças sociais
sólidas democráticas e republicanas com o apoio dos cidadãos.
Não seria justo, porém, fazer uma
avaliação totalmente positiva nem negativa do que foi feito nesses quase dois
meses do atual governo.
O governo da Frente Democrática com
Lula e Alckmin a frente tem mostrado certa abertura em vários assuntos
nacionais e internacionais, moderou posições anteriores e até mudou de opinião
como convém a Chefes de Estado quando conclui que as suas ideias não eram boas.
Resta, porém, um longo caminho a
percorrer para corrigir rumos e evitar erros. Porque o ano de 2023 será um ano
difícil e com muitas armadilhas. O principal para o setor político que nos
governa será entender que reconstrução e via democrática não devem se opor.
Historicamente, os ímpetos das
reconstruções contemporâneas nunca puderam coexistir bem com o sistema
democrático e republicano. Exigem como água a sede da impostura para compelir suas
verdades que tendem a ser absolutas.
Nisso eles são semelhantes ao mundo
dos reacionários. Veja a tentativa de golpe que estava se formando por trás das
violentas manifestações ocorridas nos idos próximos passados de oito de janeiro.
A expressão mais clara dessa
reconstrução da Frente democrática benfazeja foi, sem dúvida, o estender as
mãos aos nossos ianomâmis motivados por uma solidariedade que fortalece nossa
institucionalidade e ajuda a reforçar mudanças democráticas, compartilhadas e
inclusivas.
A resposta popular foi clara e foi à
demonstração do bom senso democrático. A prova disso é que tudo se fez de
acordo com nossa Constituição, que reconstrói a confiança popular no processo
constitucional de forma pluralista, que esperamos venha a provar que ela responde
bem aos desafios do século XXI, em que todos nos sentimos representados.
Essa lição decisiva deve ser
transferida para as diversas políticas e reformas públicas, em sua seriedade e
profundidade, pensando no longo prazo e que dá ao centro politico na Frente
Democrática todas as credenciais de colaborador para a popularidade inicial do
governo.
Se a experiência política ensina
alguma coisa à carnavalesca muito como mostra Júlio Lopes com o seu Brasil: A
nação carnavalesca,
é que a pura ação de comunicação não pode, em um sistema democrático e
republicano, transformar coisas sem valor em pepitas de ouro.
É possível melhorar nos próximos meses?
Sempre é possível, mas para isso a conduta do governo deve ser do espaço para
maturidade e experiência, que deve ser ampliado em seus quadros gerenciais.
Só de falar de acontecimentos
recentes, num país como o nosso, que passa por graves problemas, não podemos
nos permitir um carnaval de descuidos. Também não é bom armar acusações
ministeriais e tampouco instrumentaliza-las banalmente nas batalhas políticas.
Seria mais do que desejável que este Carnaval
incluísse além do bom samba muita reflexão e boa leitura, que Oxalá passasse
por uma releitura crítica dos nossos autores preferidos, embora não nos custe
nada atravessar o Rubicão intelectual e ler tantos outros sobre a teoria
democrática e republicana. Que pudessem conhecer os percursos, virtudes e erros
das grandes figuras políticas que marcaram as experiências democráticas dos
últimos dois séculos.
As leituras poderiam permitir
argumentar solidamente contra aqueles que deliram com a moeda única para a
América, quando a integração continental ainda não consegue superar o estado de
prostração a que a levou a retórica irresponsável de muitos líderes da região
em nosso século.
Administrar um país é coisa séria, e
sem uma ampla cultura política para à Frente Democrática, puras boas intenções
nos levarão diretamente a pavimentar o caminho para o inferno.
18 de fevereiro de 2023
[1] Presidente da
CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da
UniverCEDAE.
Temos que ler os clássicos e a produção atual que tenha como perspectiva a nossa história e a República. Chega de fragmentação em universos quânticos! Isso é para vespas e formigas. Vamos pensar na humanidade aqui e lá fora!
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