Bolsonaro
pode ganhar sim. De novo.
Marcio
Junior[1]
Em
ano de bicentenário, se aproxima mais uma eleição presidencial. Como certa vez
escreveu Luiz Werneck Vianna: mais do que uma escolha por um determinado
candidato, seu partido e programa (aqui podemos e devemos não ser generosos:
onde estão os programas, do ponto de vista objetivo? Temos?), significa, entre
nós, uma escolha de futuro, de qual caminho queremos seguir.
Estamos,
decerto, de frente a um cenário de terra arrasada já a alguns anos, o qual o
atual governo não apenas contribuiu para aprofundar como se aproveitou dele
anteriormente para ser eleito e governar. As transformações do capitalismo
brasileiro, tendo o Estado como centro de inteligência e orientação para a
expansão de uma ordem grão-burguesa, construída ao longo de décadas e que
possibilita novas formas que aprofundam a concentração da acumulação de
capital, minaram a política enquanto prática virtuosa de disputa republicana e
democrática, que atingiu seu auge na Assembleia Constituinte em 1987/88. Essa
associação entre Estado e mercado forneceu à sociedade, esta já sem luz
própria, desorganizada e ressentida pela violência e pelo bolso vazio.
O
"eu" do mercado, do ser que busca competir em nome dos próprios
interesses e satisfações individuais, se tornou dirigente, e nas relações dele
com outros sujeitos não há ou é muito restrito o espaço para a solidariedade,
sendo este um fenômeno, decerto, global. Aqui, a mercantilização da vida
social, algo visível sobretudo nos
coletivos e na educação (como, por exemplo, na criação de cursos de educação
financeira e empreendedorismo nas escolas, equívocos que passam, inclusive,
pela compreensão falha de como funciona o próprio mercado), está pulsante,
tendo como suposto programa o estímulo equivocado à afirmação individual, sua
identidade e busca pela saúde mental e financeira enquanto soluções suficientes
para o enfrentamento e solução dos problemas históricos e sociais. O aporte
emocional para o enfrentamento das mazelas da desigualdade do país viria tão
somente do particular de cada um, levando as pessoas a procurarem aporte
emocional em atividades que remontam ao seu interior particular, lotando
igrejas neopentecostais, salas de espera para sessões de psicoterapia e não só.
Em
meio a essa conjuntura de desequilíbrio de antagonismos, que ainda está a nos
sufocar e já é propícia à fragmentação, as redes sociais repetem 2018 e se
tornaram arena de embates, seja entre jovens ou mais velhos. Assim, o então
candidato Bolsonaro, inteligentemente, percebeu a oportunidade de capturar ali
os votos que o elegeram e conduziram ao centro da máquina administrativa o que
há de mais atrasado entre nós. A lógica do "eu" sobre o
"nós" encontra, deste modo, a sua tradução política no ideário de
Paulo Guedes e não só, atuando em favor de um capitalismo sem freios, sob o
“programa” de diminuição do público e tensionando com os elementos igualitários
presentes na Carta de 88.
Esta
problemática perceptivelmente ainda está entre nós, e há o desafio de atacar
nossos problemas para que se possa direcioná-la para um caminho virtuoso, que
compreenda as mudanças sociais irreversíveis que ocorrem diante dos nossos
olhos. Não há como dar conta de tal tarefa sem, sobretudo, perícia política,
algo difícil de ser feito em meio à “ditadura velada” das identidades, que nos
sufoca e insiste em separar. O “eu” pode ser trabalhado de forma mais virtuosa
e não excludente ao social, como no chaveamento teórico de um Norbert Elias em
seu A Sociedade dos Indivíduos (Zahar, 1994).
Em
entrevista a William Waack, realizada em 1997, o historiador Eric Hobsbawm foi
perguntado por este jornalista sobre a história e o futuro, afinal, o futuro
também pode ser história. O historiador, já idoso, se ajeitou em sua poltrona e
chamou atenção para uma linearidade entre o passado, o presente e o futuro; quais
as chances de algo que aconteceu ao longo do tempo e acontece hoje continuar
acontecendo? Ou, fazendo uso do conceito da matemática, mais certeiro: qual a
probabilidade? Esta, creio eu, é uma pergunta que precisa ser feita (e bem
feita) por todos para se enfrentar o processo eleitoral decisivo que já
acontece diante dos nossos olhos. Neste trabalho de imenso esforço há coisas
que não se pode saber; porém, há outras que sim. Mesmo assim, a provocação
cabível nesses tempos fraturados, que seguem seu curso, está na frase dita pelo
célebre historiador: a única corrida de cavalos previsível é a que já acabou. O
que podemos aprender sobre isso a partir de 2018 está aí: separar, em termos de
sabotar propositalmente ou não os laços entre as pessoas, já nos levou e pode
levar de novo a uma escolha funesta de futuro. Vamos em frente.
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[1]Historiador e doutorando em Ciências Sociais em
Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ.
Tomara que ganhe mesmo����
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