Open Health - há quem compre essa
ideia?
Tiago Martins Simões[1]
Desde
janeiro de 2022 o Ministro da saúde, Marcelo Queiroga, vem defendendo o “Open
Health” para o sistema de saúde suplementar brasileiro. Em artigo publicado
pela Folha de São Paulo, em 5 de
março deste ano, detalha um pouco mais do seu projeto, expondo nele o ideário
de Paulo Guedes: mais mercado, menos Estado, menos público. Nada se discute,
por exemplo, sobre a regulamentação da saúde suplementar, cujos problemas foram
precisamente colocados por Maria Lucia Werneck Vianna em seu A americanização (perversa) da seguridade
social no Brasil de 1998. Este livro está de pé, basta ver os inúmeros
problemas envolvendo os planos de saúde na pandemia e anteriormente - bem como
o atualíssimo processo de venda da operadora Amil, sendo um dos seus mais
recentes capítulos.
É
curioso tudo isso. Guedes se gaba por sua formação econômica nos Estados Unidos
da América (EUA), mas a rota que ele cria junto ao Ministro Queiroga, ao traçar
um paralelo de política bancária (a sempre recordada criticamente pelo Paulo
Freire) com política sanitária, sequer encontra respaldo naquele país. Se a
hipótese de que o artigo foi pensado por Guedes não é verdadeira, o problema
continua o mesmo, tendo em vista a recente missão do ministro da saúde aos EUA.
Ninguém pode alegar falta de conhecimento.
Com
esse incrível projeto pensado (será?) por essa qualificada equipe, a saúde
suplementar dá mais um passo para o seu colapso. O primeiro monstro foi criar
os planos de saúde nos níveis empresariais e de grupos - qualquer trabalhador
que tenha passado por isso conhece a perversidade dessa lógica. Se seu grupo
adoece, o seguro aumenta, ainda que os planos sequer possuam detalhamentos
técnicos de seus reajustes. Agora querem incluir os dados financeiros para
agradar ainda mais o mercado. Para quem não teve a oportunidade de ler o artigo
de Queiroga, é merecida a transcrição da joia da coroa:
“Já os dados financeiros, em sintonia com o que ocorre no Banco Central
com o open banking, trarão uma espécie de cadastro positivo da saúde. De forma
anônima, as operadoras poderão ver os perfis dos usuários, sua assiduidade
financeira, que tipos de cobertura têm e quais as características dos seus
contratos e quanto pagam”. (Queiroga, Marcelo. ´Open health´ é questão de tempo, coragem e decisão. Folha de São
Paulo, 5 de março de 2022.).
Esqueceu-se de comentar que, junto com o
cadastro positivo, vem o cadastro negativo: quanto menos saúde (física,
emocional, financeira), pior será sua situação no mercado. Não é preciso ir
muito longe para associar essa situação às inúmeras crises de hoje,
aprofundadas pela pandemia.
Com
tudo isso, será difícil compreender se até mesmo conservadores venha a votar
nesta pauta. Pior ainda os liberais desavisados que cogitam votar, pois sequer
seus interesses estarão contemplados, naquela vã esperança de que a saúde
suplementar supriria as insuficiências do nosso Sistema Único de Saúde (SUS).
Quem acredita ainda na fantasia das virtudes do mercado? Fora os exemplos
elencados aqui, as Organizações Sociais criadas em 1998 dispensam comentários.
A Lei 13.019 de 2014 (parcerias com as Organizações da Sociedade Civil), não
está recebendo o devido cuidado.
Por fim, o agradecimento do insuspeito Boris Johnson quando saiu do hospital do Serviço Nacional de Saúde (National Health Service - NHS, na sigla em inglês) pela recuperação diante do coronavírus, o atual governo brasileiro, com tudo isso, “esquece” que nossa virtude é o nosso SUS (primo do NHS), mesmo com todas as suas carências. Neste ano, a sociedade precisa ter clareza disso.
[1] Fisioterapeuta, professor do Município do Rio de Janeiro,
doutor em História pelo CPDOC - FGV.
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