segunda-feira, 21 de março de 2022

OSCAR 2022 - ENTREVISTA COM O PROFESSOR PABLO SPINELLI

Apesar da Crise, falemos do Oscar


Somos aqueles que  estamos na "resistência" da República e da Democracia, mas encontramos oportunidade de refletir na produção cinematográfica um momento de observar sobre esses tempos sombrios. Aliás, esse é um segmento cultural que está numa transição em que a "privatização" da criatividade poderá atomizar ainda mais nossa sociedade. Aprofundando os efeitos nefastos a crise.

Não podemos deixar de lado a "opinião". E VOTO POSITIVO, mais uma vez, publica uma entrevista com o Professor Pablo Spinelli que faz do cinema uma avenida de oportunidades para muitos jovens que saem do senso comum para melhor compreender os impactos da Globalização. 

Seu profissionalismo conjugado ao seu conhecimento apaixonado pela "sétima arte" nos faz agradecer esse entrevista e que outras venham na história do Oscar. Uma entrevista que merecerá ser lida e divulgada.

DA REDAÇÃO

Nota: alguns filmes citados na entrevista abaixo receberam análises em VOTO POSITIVO em "A Doce Política no Cinema" números 1, 3 e 5. 


Foto: Claus Lehmann

1) As indicações do Oscar 2022 promete ser um “Balanço” da gestão Joe Biden feita por Hollywood ou estaríamos exagerando?

Acho um pouco exagerado, porque a Academia deve ter pensado mais no balanço da gestão Trump e como os EUA chegaram até o cenário de ter um líder político que testou as instituições democráticas até o limite e com forte adesão das massas. Biden deve aparecer mais ano que vem, em um cenário de filmes que devem falar da questão econômica, pandêmica e do desastre que está sendo a sua política no leste europeu. Os filmes desse ano têm um alento: estão menos preocupados com guetos identitários e um pouco mais universais, mesmo que fale mais para uma geração de 40 anos para cima do que para os jovens, cujo prêmio não tem representatividade como teve há 15, 20 anos.

 

2) Em sua opinião, as indicações do Oscar de 2022 ajudariam a sociedade brasileira a uma melhor reflexão sobre o tema da República e da Democracia?

Sim, sem dúvida. Um filme como Belfast é um exemplo de como podemos tratar do tema da inclusão social pós-pandemia, o mesmo se dá com o musical repaginado do Spielberg. Cumpre notar que há uma netflixação no Oscar com as indicações de “Não olhe para cima” e “O ataque dos cães”, ambos da Netflix e o “Rocky Balboa” da vez, “King Richard”, da Amazon Prime. Isso significa que a própria academia se rendeu à privatização do gosto pelo cinema. Isso é ruim para qualquer República. Cada vez menos teremos telões nas praias ou na Quinta da Boa Vista para dar lugar ao gosto doméstico de uma tela de telefone. Esse tema, não parece, mas é um tema para a República. Que acesso à cultura nós teremos e daremos? E a indústria do cinema vai empregar como antes? Em uma gestão orientada por um grupo de vendilhões da falsa moral e de interesses particulares representado por  um Mário Frias – como chegamos a isso? – não podemos pensar em “Retomada”. O nó dos filmes indicados ainda é o mesmo do Oscar: como chegar aos mais jovens? Um filme como Duna, por exemplo? Minha sugestão é que os mais velhos que leiam essa entrevista tomem para si essa tarefa pedagógica.

 

3) Vejamos as principais indicações para a categoria “Melhor Atriz”, qual seria sua análise?

Seria muito bom ver a Nicole Kidman ganhar um Oscar pela personagem da Lucille Ball, uma atriz que conseguiu fazer uma sitcom de maior audiência das Américas. Penelope Cruz está marcante no papel que Almodóvar lhe deu, mostrando maturidade. Olivia Colman já ganhou pelo ruim “A favorita” e é uma forte candidata para esse drama sobre o tema da maternidade em “A filha perdida”, uma abordagem mais para a classe média do que para as subalternas. Kristen Stewart mostra que a dupla de Crepúsculo cresceu bem e é a favorita dos jovens na enésima interpretação sobre a superestimada Lady Diana. Agora, seria muito bom a Jessica Chastain ganhar por “Os olhos de Tammy Faye” por conta do televangelismo americano dos anos 1970 e 1980 que aqui nos chegou de forma cabocla nos anos 1990. A ascensão e queda da personagem merece uma reflexão sem julgamentos a quem crê, mas a quem lucra com a fé alheia, tema que os argentinos fizeram bem na série “El reino”, da Netflix. Colman tem vantagem na disputa. Chastain segue atrás.

4) Esse ano Will Smith, na categoria de “Melhor Ator”, vai se sagrar vencedor?

Espero que não. Além de ser um ator mediano, ele fez Bad Boys, uma alegoria do que havia de pior da Era Bush II. Ele já tentou personificar o declínio do “sonho americano” em “A procura da felicidade” e agora a crença no mérito individual no filme “King Richard”. Como disse acima, é o Balboa repaginado. Lembro que Rocky antecedeu a Era Reagan. Denzel Washington deveria ter sido incensado pelo movimento neonegro por conta da interpretação de Macbeth, uma ousadia sair do óbvio Othello. Javier Bardem está muito bem no filme da Nicole Kidman, será uma lembrança no futuro, marido e mulher indicados. Andrew Garfield é uma promessa. Mas meu favorito é Benedict Cumberbatch, o melhor ator de sua geração, um inglês que faz qualquer papel, inclusive, a meu ver, o melhor intérprete da galeria Marvel. Ele explica o trumpismo e o bolsonarismo, o ressentimento, a inveja, o rancor, um personagem memorável para um Western de novo tipo.


5) Poucos analisam a categoria “Roteiro Original”, em sua opinião o que há de novidade nesse ano?

Antes de comentar queria destacar a excelente escolha de “filme estrangeiro”. Destaco o simpaticíssimo “A mão de Deus”. Para quem gosta de futebol ou foi jovem, é obrigatório. A novidade que não é nova é “Não olhe para cima” ganhar. O diretor-roteirista Adam Mckay apostou no tema ambiental e acabou por acertar quanto à pandemia. É um filme de esquete, com uma boa ideia, especialmente ao usar Meryl Streep para nos dizer com as cores da sua roupa que não há mais uma linha nítida entre Republicanos e Democratas. Gostaria que Belfast ganhasse, mas acho que não será. Importante o Kenneth Brannagh ser reconhecido.

6) Steven Spielberg foi ousado na Direção de um musical sobre uma Reforma Urbana “Trumpista” – “West Side Story”. Não poderá ser uma surpresa na premiação de “Melhor Filme” e “Melhor Direção”? Qual sua avaliação sobre essas duas categorias?

Poderá, mas não será. A sua indicação é uma forma de Hollywood olhar para a idosa “Nova Hollywood” (Francis Coppola, Martin Scorsese, o cancelado Woody Allen, dentre outros) e dizer: sabemos que vocês estão aí e somos gratos. Ele seria mais forte nos anos finais de Trump em virtude do tema do muro. Isso garantiu o Oscar ao excelente “A forma da água” e aos latino-americanos oscarizados que sumiram esse ano. Curioso, não? Acho que repetirá o ano passado e mais uma mulher vencerá. A muito competente Jane Campion.

 

Um comentário: