Desafios para a Juventude
“(...)
Quem não se submete a uma disciplina política é precisamente matéria em estado
gasoso, ou matéria poluída por elementos estranhos: portanto, inútil e
prejudicial. A disciplina política faz precipitar estas impurezas e fornece ao
espírito sua melhor liga, fornece à vida uma finalidade, sem a qual a vida não vale
a pena ser vivida. (...)”
Disciplina
e liberdade. Antonio Gramsci 1917
Por Vagner Gomes
de Souza
Há um ensaio que o
pensador italiano Antonio Gramsci escreveu para a juventude sob o título Disciplina. Um curioso texto uma vez que
o marxista sardo mencionava R. Kipling (um ilustrado pensador inglês que
dialogava com a colonização). Nele, ao contrário de buscar a “desqualificação”
do criador de Mogli, se faz uma inversão de sua leitura sobre a sociedade
hierarquizada, pois parte do reconhecimento da modernidade da organização do
Estado Burguês para conferir a juventude uma cobrança pela sua liberdade de
forma disciplinada. Um texto que mereceria fazer parte de muitas aulas da
graduação de Administração, porém se encontra “perdido” para poucos
gramscianos.
Disciplina
está
num conjunto de textos que foram publicados, sem assinatura, em La cittá futura
(número único editado pela Federação Juvenil Socialista do Piemonte, 11 de
fevereiro de 1917). Observe-se que Gramsci estaria sugerindo, num excesso de
otimismo comum a sua fase juvenil, um grande futuro para a humanidade a partir
da articulação da juventude com a cidade. Eis que a Revolução de Fevereiro batia
as portas da Rússia czarista, mas a “Gripe Espanhola” ainda não se anunciava. Nessa
linha poderíamos fazer um convite aos jovens cariocas para um grande desafio
diante do momento grave em que estamos a atravessar. O Rio de Janeiro está numa
grave crise econômica e social que se aprofunda nessa pandemia em que as “ondas”
destroem qualquer interesse dos agentes econômicos privados em fazer
investimento. Aliás, a limitada capacidade de investimento do capital privado
impõe uma visão que se aproxime das sugestões de André Lara Resende em seu
recente e pouco lido livro pela esquerda carioca e nacional (Consenso e contrassenso: por uma economia
não dogmática).
Os desafios para a
juventude partem da alarmante informação de que 1 em cada 3 jovens nem
trabalham e nem estudam. Esse número se agrava nas comunidades da periferia
assoladas pelo ultraliberalismo vindo de baixo. Os canais de solidariedade
ensinados por Durkheim poderiam permitir uma conexão com o papel libertador da
disciplina atribuída em Gramsci. “(...) Porque é essa a característica das
disciplinas autonomamente assumidas, ou seja, a de serem a própria vida, o
próprio pensamento de quem as observa. (...)” – Gramsci, Antonio – Escritos Políticos, vol. 1 (Organização
e tradução de Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
2004, p. 89.
Na ausência de atores
políticos deslocados do eleitoralismo (uma característica que incomodava o
jovem Gramsci), partir do desafio em superar a chamada geração “NEM-NEM”
carioca é muito ousadia mesmo na futura gestão municipal do Rio de Janeiro com
os holofotes dirigidos para a Secretaria Municipal da Juventude e a Secretaria
Municipal da Educação com a indicação de dois jovens que estariam na faixa
etária dos jovens dirigentes da citada Federação Juvenil em 1917. A lição da
história, o qual Walter Benjamin nos chama a atenção, sugere que as
contradições entre forças produtivas e relações sociais de produção chegam a
níveis caóticos numa realidade de muitos jovens que acumulam elevados níveis de
“analfabetismo funcional”.
Por que o “analfabetismo
funcional” é uma grave característica na juventude carioca? Essa seria a chave
para repensar a gestão pública juvenil em nossa cidade uma vez que baixa
interpretação de leitura, dificuldade nas operações básicas de matemática e
desconhecimento dos principais conceitos sobre a vida alimentam muitas ações “negacionistas”.
Muitos especialistas têm estudos mais profundos sobre esse tema nas
instituições universitárias cariocas. Aqui temos a PUC, UFRJ, UNIRIO e UERJ
para ficar nos exemplos mais famosos. Reverter essa situação é o primeiro passo
para superar outros grandes desafios.
Contudo, não podemos
nos iludir do quanto esse desafio requer muito investimento público para no
mínimo uma década. Por outro lado, a modernização conservadora pressionada
pelas forças do dito “mercado” não deseja que se pare muito tempo para
reflexões e ações. Vai se exigir muita disciplina dos sujeitos juvenis que se
inserem na futura administração municipal para que tenhamos um compromisso para
resgatar vidas. O resgate de vidas esquecidas e nem sempre presentes nas
estatísticas que só aparecem nos momentos das tensões da violência policial que atingem crianças e jovens da periferia.
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