O
Fantasma de Hobbes ronda as eleições municipais
Vagner Gomes de
Souza[1]
“(...)Não
entendo aqui por COSTUMES a decência da conduta, como, por exemplo, a maneira
pela qual um homem deve saudar outro, ou como deve lavar a boca, ou limpa os dentes
diante dos outros, e diversos aspectos da pequena moral. Entendo, isto sim, aquelas
qualidades dos homens que dizem respeito à vida comum em paz e unidade. Para
este fim, devemos considerar que a felicidade desta vida não consiste no
repouso de um espírito satisfeito. Pois não existe o finis ultimus (fim último)
nem o summum bonum (bem supremo) de que se fala nos livros dos antigos
filósofos morais. Tampouco há mais vida no homem cujos desejos chegam ao fim do
que naquele cujos sentidos e imaginação estão paralisados. A felicidade é uma
contínua marcha do desejo, de um objeto para outro, não sendo a obtenção do
primeiro outra coisa senão o caminho para conseguir o segundo. A causa disto é que
a finalidade do desejo do homem não consiste gozar apenas uma vez, e só por um
momento, mas garantir para sempre os caminhos do seu desejo futuro. Portanto,
as ações voluntárias e as inclinações dos homens não tendem apenas para conseguir,
mas também para garantir uma vida satisfeita, e diferem apenas quanto ao modo
como surgem, em parte da diversidade das paixões em pessoas diversas, e em
parte das diferenças no conhecimento e opinião que cada um tem das causas que
produzem os efeitos desejados.”
HOBBES, T.
Leviatã: a matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. São
Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 85.
Em pouco tempo a
dinâmica do Governo Federal se esqueceu das forças democráticas aliadas numa
Frente e que o elegeu. Os efeitos do 8/01 deu uma sobrevida a essa linha
adotada mais pelas circunstâncias do que pela verdadeira refundação de uma
cultura política à esquerda no nosso mosaico de liberalismo. Propomos que
estamos num mandato presidencial que enfrenta as contradições da do liberalismo
diante das pressões das forças conservadoras e reacionárias que se reagruparam
as vésperas das eleições municipais.
O 8/01 apresentou a
sociedade brasileira os limites da tolerância e da liberdade de expressão.
Havia a oportunidade de que uma Frente Democrática agregada de um
conservadorismo fiador dos marcos democráticos pudessem isolar as forças
retrógradas que foram a vanguarda da composição do governo anterior. Paulo
Guedes tinha liberdade para tocar diante do Congresso Nacional sua pauta
liberalizante. Uma liberdade que o atual Ministro da Fazenda se sente coagido a
não dialogar, pois, apesar do sucesso a ele atribuído pela aprovação da PEC da
Reforma Tributária, os novos sujeitos do corporativismo da sociedade se aliaram
aos grupos entranhados na máquina administrativa para o “esvaziar”
politicamente.
Se o ex-candidato as
eleições presidenciais de 2018 pelo partido majoritário do Governo sofre
resistência, como pensariam as lideranças parlamentares dos grupos políticos
recém-admitidos a coalização governamental? Para além da nova percepção sobre
os impactos políticos das emendas parlamentares impositivas, há ainda espaço
para a Grande Política que permita um entendimento entre as forças democráticas
liberais e conservadoras. Todavia, a lógica da sobrevivência de personalidades rejeitadas
pela soberania do voto tem ficado acima do compromisso democrático através da
unidade.
Diante disso, a
percepção de uma ameaça no futuro tanto no mundo quanto em nosso país faz com
que a sociedade atomizada em busca de alternativas individuais se identifique
com alternativas escatológicas religiosas ou até seculares aonde o conservadorismo
ganha mais força. Portanto, o medo sobre a possibilidade de um volta ao estado
de natureza da humanidade reabilita o pensamento político de Hobbes diante do
debate da segurança pública. Os valores universalistas dos Direitos Humanos são
muito contestados na sociedade brasileira. A intolerância social com os
apenados chegou ao um nível de um grande consenso na aprovação da “Lei das
Saidinhas”, porém também percebemos a ideia da penalização de crianças e
adolescentes em casos de manifestações de intolerância racial ou religiosa. A
composição “Haiti” seria hoje “cancelada” nos dois pólos da nossa imaginária polarização
política.
Na verdade, o fantasma
de Hobbes encanta os conservadores, porém é um alívio para as forças liberais
que comungam de ideias contratualistas que atendam as demandas de uma nova
identidade na sociedade. Então, as forças retrógradas se manifestam nas
movimentações dessas “placas tectônicas” nas redes sociais gerando erupções
vulcânicas de uma opinião pública sem direção da política republicana e
democrática. Os ventos do “iliberalismo” atingiram em cheio as movimentações
das candidaturas aos legislativos municipais ao se manifestarem sobre um tema
muito mais apropriado ao legislativo estadual, ou seja, o tema da segurança
pública.
A percepção de uma
insegurança é constantemente alimentada pela percepção do desmanche da
seguridade social. Um Estado de Bem Estar Social se desmorona aos olhos vistos
dos mais idosos que não podem mais garantir com os gastos no núcleo familiar
polivalente. O medo sobre esse futuro se alia as ameaças sobre o consumo de
drogas que desmancha a tranquilidade das “famílias brasileiras”. Assim, a
crítica as forças do poder de “segurança paralela” nas periferias seriam mais
bem acolhido no compromisso ao debate sobre as drogas. Entretanto, esse é outro
“vespeiro” em que as interpretações do liberalismo pró-liberalização ou descriminalização
do uso e porte de drogas não se faz do escopo da Frente Democrática que
dialogue com os conservadores.
A presença do chamado “Estado
Paralelo” em municípios de médio porte e pequeno porte em variados estados da
federação indica que a municipalização do debate da segurança pública será mais
forte que a simplificação de uma polarização. Diante disso, o aprendizado do
Ministério da Segurança Pública no Governo do MDB sob a gestão de um
ex-comunista seria uma sugestão para que tenhamos referências para enfrentar
essa tendência eleitoral que poderá definir as eleições municipais.
Sempre um excelente texto. Compartilhando!
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