O longuíssimo caminho
para o bem-estar social
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
O longo caminho para a utopia: uma história econômica do século XX, do
norte-americano James Bradford DeLong. Tradução de Diego Franco Gonçalves;
Revisão técnica de Marco Antonio Rocha. São Paulo: Crítica, 2024.
É difícil negar que as
humanidades progrediram, mas assumir o progresso como fio condutor histórico
pode nos levar a superlativos em face aos tempos atuais. O livro O longo caminho para a utopia: uma história econômica
do século XX, de James Bradford DeLong, nos coloca mais perto da utopia
do que realmente estamos. A sua tese principal é que os cento e quarenta anos
que compõem o período da Segunda Revolução Industrial em 1870 a 2010 formam uma
unidade histórica, um “grande século XX”. O que o torna característico é que a
sua economia histórica, ilustrará uma derrota em curso, pois essa economia histórica,
é o relato do progresso econômico e não histórico que levou as humanidades,
pela primeira vez, a poder dar fim à aguda pobreza material que sofre desde muito
longe. Para DeLong, foi o surgimento de três instituições as responsáveis por tal
feito: a globalização, os laboratórios de pesquisa industrial e as corporações
modernas. Esta combinação gerou a maior força criadora de riqueza e possibilita
proporcionar a todas as humanidades essa chance de um mínimo de seguridade.
A ideia de que a enorme
capacidade econômica instalada de produzir riqueza não está na mesma proporção
do bem-estar das humanidades é uma ideia que se impõe à luz da enorme e
crescente desigualdade e pobreza no mundo. DeLong conhece bem esta verdade.
Citando Keynes, DeLong lembra-nos que, em 1914, às classes média e alta de todo
o mundo “ofereciam-se vidas, a baixo custo e sem maiores problemas,
facilidades, confortos e serviços que ultrapassavam os disponíveis aos monarcas
mais poderosos”. poderosos de todo o mundo”; e que em 2010 nos EUA imaginário uma
“família típica já não enfrentava o problema mais urgente de adquirir comida,
abrigo e roupa suficientes para o próximo ano ou para a próxima semana”.
Talvez essa família imaginaria
típica a que DeLong se refere talvez faça sentido por lá. Mas, se ao menos esta
família típica imaginaria fosse globalmente representativa; se fosse verdade
que esta família típica imaginária dos nossos dias pudesse orgulhar-se de viver
melhor do que os monarcas mais poderosos de qualquer lugar, então ousaríamos
dizer que já estaríamos na própria utopia. DeLong baseia o seu otimismo nos
números oficiais do Banco Mundial sobre a pobreza extrema: em 2010 sem qualquer
sombra pandêmica, menos de 9% da população mundial vivia com menos de 2 dólares
por dia. Assim, dois dólares é o critério que DeLong aceita para estabelecer o
progresso econômico alcançado. Mas se olharmos para os padrões nacionais e/ou
regionais de medição da pobreza, o quadro é geralmente mais sombrio. Mesmo de
acordo com medidas internacionais, quando passamos da pobreza extrema (menos de
9% em 2010) para outros tipos de pobreza, descobrimos, por exemplo, que 32% da
população mundial é identificada como multidimensionalmente pobre.
Não é nossa intenção,
contudo, negar todo o progresso que as humanidades fizeram. Contudo, na
capacidade produtiva também deve ser considerado, sobretudo, a intensificação
do trabalho e o abuso dos recursos naturais mundiais. Nada é dito sobre essas
questões.
DeLong, no seu esforço para
destacar os feitos produtivos do seu século XX, também nos oferece uma medida
dessa capacidade produtiva para a riqueza. Segundo as suas estimativas, entre
1870 e 1914, as melhorias tecnológicas e produtivas cresceram a uma taxa de 2
por cento ao ano, uma taxa mais de 4 vezes superior à experimentada pelas
humanidades durante todo o século anterior. O alcance desta gigantesca
capacidade produtiva é que nos oferece a oportunidade de criar o suficiente
para se projetar um pouco mais do que um mínimo de seguridade a toda a
população mundial, como provado por todas as médias de riqueza e rendimento.
Mas essas são apenas médias. Portanto, embora com certas nuances, é possível concordar
com a ideia de DeLong de que parte dos problemas das humanidades já foi
resolvido: há riqueza material abundante. Mas o verdadeiro progresso não
consiste na produtividade e nem na abundância em si, mas na possibilidade real
de acessá-la. Como diz DeLong, com razão, a prosperidade material não está
distribuída e o que está se encontra de forma desigual por todo o planeta, numa
extensão grotesca e até criminosa.
Para DeLong, uma das razões
pelas quais a humanidade não alcança a utopia é que esta é quase inteiramente
mediada pela economia de mercado. A produtividade e a abundância são o
resultado de uma incrível coordenação e cooperação de milhares de milhões de
pessoas que participam na produção de riqueza, mediada pela economia de
mercado. Mas, embora a produção de riqueza seja cada vez mais social, o mercado
não recompensa de acordo com a seguridade para cada pessoa, mas sim de acordo
com os títulos de propriedade que possui sobre esse trabalho social. DeLong não
o diz, mas na sociedade contemporânea não existe o, “isto é, meu porque eu o fiz”,
mas tão só, “isto é, meu porque tenho o título da propriedade”.
Na sua economia histórica, DeLong envolve-nos num diálogo
sobre as virtudes e os limites desta economia de mercado. Através da conversa
que DeLong estabelece entre os austríacos Friedrich von Hayek e Karl Polanyi, ele
procura representar as humanidades em busca da utopia. Assim, DeLong entende o
século XX como uma disputa política entre aqueles, por um lado, que aderem ao
lema “o mercado dá, e o mercado tira”, e por outro, aqueles que sustentam que
“o mercado é feito pelas humanidades; e não as humanidades para o mercado.”
Portanto, a história da economia política que DeLong nos oferece do seu século
XX é uma economia histórica focada nas mudanças políticas que definiram os
padrões de crescimento da própria economia. Em particular, é uma economia histórica
nucleada no papel das elites dominantes dos países ricos do hemisfério norte,
lideradas pelas elites do seu país.
Quando se ignora os inúmeros
lados errados das coisas
históricas talvez isso facilite um olhar otimista. Daí
ser o mínimo que possamos recordar a DeLong, pois estaríamos na sua economia histórica
no melhor de todos os mundos possíveis. Estamos? Tenho a impressão de que a pior
resposta chegará a ele em novembro próximo.
22 de abril de 2024
[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e
professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
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