Vagner Gomes de
Souza
O tema da
representatividade racial foi aos poucos dominando o mundo globalizado a partir
de suas fontes norte-americanas. Tanto lá como cá se faz comum em dizer num “lugar
de fala” que hipoteticamente estaria a espelhar a face subjugada de um segmento
da população. Esse viés hipermoderno esvaziaria a ampla contribuição de obras
como a de Karl Marx que fez uma ampla análise do nascente mundo operário sem
tocar suas mãos numa máquina fabril. Assim,
editoras, livrarias, imprensa, programas e novelas de TV, enredos de Escola de
Samba, Disciplinas foram se fechando para outras interpretações ou temáticas em
nome da pretensa apresentação da representatividade. Seria o momento de uma
necessária “reparação histórica”, porém ela é modulada por uma elite econômica
e social.
Debate muito antigo nos
EUA sobre como as “derivas identitárias” estariam deslocados da realidade. O
cientista político Mark Lilla muito tem contribuído nessas observações e
lamentavelmente não tem uma nova edição de seus livros no Brasil desde a
ascensão, nos dizeres de Peter Burke, do “mundo da ignorância” em nosso país (O progressista de ontem e do amanhã:
desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias merece
uma segunda edição). Logo, seria um equívoco entender esse debate como do “campo
da esquerda” uma vez que se insere nas colocações sobre o nível de uma
democracia espelhada como se depara em alguns estudos da Ciência Política.
Aos poucos, alguns
intelectuais e formadores de opinião se manifestam com maior intensidade sobre
o tema “nadando contra uma maré” uma vez que beneficia o mercado. Imagine
desejar pleitear uma indicação ao Oscar num momento em que essa problematização
de representatividade fez conferir um anacrônico discurso nacionalista para
diversos movimentos políticos extremistas tanto no “Make América Great Again”
quanto no “Chega” do mundo ibérico.
O filme “Ficção
Americana”, em exibição na PRIME vídeo, faz esse desafio de reflexão no quais
muitos que resenharam seu enredo tentaram ficar alheios ao seu principal ponto.
Seria possível fazer um drama familiar com atores negros sem a necessidade de
reprodução de estereótipos. Negros de classe média que atuam numa saúde privada
como médicos (um deles é cirurgião plástico) e não tem condições de pagar à
custa da atenção a mãe em início de degeneração da memória. Todavia não se
trata de um filme sobre a “saúde preta”, mas uma sátira política social de como
a ficção da representatividade afasta o debate do bem estar social. Parece
revolução, mas é tudo neoliberalismo.
Cord faz um belo roteiro
adaptado do romance Erasure de
Percival Everett[1]
o que demonstra ser um filme de opinião com o objetivo de corrigir essas “derivas
identitárias”. A escolha do elenco foi nesse sentido uma vez que observaremos
atores negros que atuaram em séries de TV e filmes a margem da “onda da
representatividade” apesar de seus talentos conferidos em Ficção Americana.
Jeffrey Wright é o
protagonista do filme depois de ter sido Felix Leiter nos filmes de James Bond
estrelado por Daniel Craig entre essas aparições ele está em Cassino Royale (2006), Quantum of Solace (2008) e No Time do Die (2021) e o tenente James
Gordon em Batman (2022). O ator teve
um bacharelado em Ciência Política que pode lhe ter ajudado na construção desse
personagem diante do tema da representatividade. Ele é Monk. Um escritor negro
brilhante, mas seus livros não são populares já que ele se recusa a retratar
negros de forma estereotipada em seu trabalho. Ele decide criar uma obra
comercial e escreve uma história carregada de preconceitos como piada. Só que o
livro se torna um best-seller da noite para o dia. Com o dinheiro caindo em sua
conta, mas com a consciência pesada, Monk é obrigado a encarnar um personagem
do gueto para manter a farsa.
No decorrer do filme
temos o drama romântico e outros dramas vividos por negros e outros seres
humanos diante do mundo real. Por exemplo, o que faz uma Clínica de Programa de
Controle de Natalidade ter detector de metais? Os fundamentalistas defensores
da vida usam armas e ameaçam a vida de médicos que fazem a prática humana do
aborto nos EUA. Essa contradição sutilmente entre nesse filme de reflexão aonde
um negro não esconde sua homofobia. E o Diretor, nascido em Tucson (Arizona)
faz uma piada sobre sua cidade natal.
[1]
Autor que só tem uma publicação traduzida no Brasil (As Árvores) com um valor
de capa inacessível para uma previsão de entrega de 110 dias segundo o site de
uma grande rede de livraria. Uma demonstração que falta um debate sobre os
livros nacionais e traduções no atual Governo das Representatividades.
Relevante intervenção sobre um filme que discute temas da ordem do dia. O romance é do início dos anos 2000. De lá para cá a problemática se avolumou
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