domingo, 8 de outubro de 2023

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 024 - ELEIÇÕES DOS CONSELHOS TUTELARES SERIAM O ENSAIO GERAL?

Conselhos Tutelares e Eleições de 2024

Vagner Gomes de Souza

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um conjunto de normas de proteção dos direitos da criança e do adolescente que foi instituído no Brasil em 13 de julho de 1990. Nosso país estava com as “contas bloqueadas” pelo único tiro possível contra o “tigre da inflação” nas palavras do então Presidente da República. Era para serem os primeiros meses de um novo ordenamento institucional em substituição ao “Código do Menor”.

Um Brasil com menos de 10% da população que se declarava evangélicas. Logo, na esfera religiosa com toda a legitimidade democrática, a atuação marcante da Pastoral do Menor organizada entre os católicos a partir de 1977 como forma de fazer uma missão em favor de crianças e adolescentes empobrecidos. O social estava na ordem do debate do dia para denunciar as tratativas da República e da Democracia como o culto da política de moderação. A “revolução dos interesses” semeava os elementos do empreendedorismo individualizado que mudará em muito o perfil do mundo do trabalho.

O ECA resguardou os direitos num país que foi se aproximando da estabilidade inflacionária, porém passou por poucos momentos de crescimento econômico. Nesses 33 anos a juventude ampliou seu acesso a educação, mas os números de proficiência em leitura e interpretação, matemática e conhecimentos em ciências ainda estão em níveis muito abaixo do adequado. Além disso, surgiu uma pandemia com um grande impacto na vida das crianças e adolescentes que em muitos aspectos não se comenta ao falar das eleições aos Conselhos Tutelares.

As forças reacionárias apresentaram inúmeras propostas legislativas nessas últimas décadas com o intuito da redução da maioridade penal. Diante da capilaridade dos Conselhos Tutelares, eles ganham um valor muito estratégico na resistência a essa e outras propostas em contradição ao Estatuto. O reacionarismo não pode ser confundido com aquilo que chamam pensamento conservador nas eleições do Conselho Tutelar uma vez que atuam democraticamente mobilizando eleitores para legitimar o arcabouço jurídico e institucional do ECA.

 Não podemos deixar de considerar que muitos eleitores atribuem equivocadamente uma das razões do crescimento da violência a falta de punição as ações criminosas que está cada vez mais com o aliciamento das crianças e adolescentes. A narrativa reacionária apresenta a transformação de Dadinho como Zé Pequeno - personagem do filme Cidade de Deus (2002) inspirado em José Eduardo Barreto Conceição que foi um criminoso nos anos 70/80 no mesmo bairro.  Defendem que o “mal” precisa ser combatido pela raiz e o ECA impediria isso. Não nos surpreendamos que muitos ausentes nas eleições aos Conselhos Tutelares sejam dessa opinião ou, mais grava ainda seria o quadro, que haja eleitores ativos com esse perfil.


Não podemos reacender o atalho simplificado da ideia de “polarização” política na escolha dos Conselhos Tutelares uma vez que a linha tênue entre reacionários e conservadores é marcante. No decorrer da campanha aos Conselhos, o espírito de Frente Democrática está deixado em segundo plano, pois averiguamos muitas mensagens nas redes sociais defendendo “perfis” de um “Campo Progressista”. Todavia, a sociedade vive um dia a dia muito dramático para esse tipo de alinhamento. Não buscar a ampliação do “arco de aliados” até entre os evangélicos é o mesmo que o mundo sindical fez nos anos 80 com o líder metalúrgico “Joaquinzão”[1] que era um grande defensor do “imposto sindical”.

Estamos em tempos de transição na demografia e religiosa. Dois fatores que seriam singulares para que as Ciências Sociais estudem seus possíveis impactos na mobilização do voto. Os eleitores do segmento juvenil estão a reduzir e muitos comungam do pensamento reacionário como observamos nas atitudes em salas de aulas e na ascensão de grupos virtuais de jogos com perfil de grande violência. Ilusão considerar que haja uma “juventude progressista” uma vez que esse é o segmento mais alheio a qualquer participação coletiva nos dias atuais. Reagem até a participar de exames nacionais como SAEB ou ENEM. Imagina acordar num Domingo para ir votar ao Conselho Tutelar. A juventude mobilizada está nas instituições religiosas sem estar no aguardo de cargos públicos. O jovem evangélico (nunca mobilizado por uma Frente Democrática) faz pelo futuro como se ainda fosse a expressão da confiança numa utopia.

 Consequentemente, as lideranças de um importante segmento da sociedade não podem ser desconsideradas e/ou ridicularizadas como fanáticas. Não estamos condenados na terra se houver mais política de Frente. Afinal, não é impossível estabelecer um diálogo com os herdeiros do pensamento “Saquarema”, pois defendem o primado da Lei já constituída. A “lacração” só está nos isolando ao disputar o eleitor comum. Esse é o momento de reconhecer que esse sectarismo poderá nos levar a derrota às “casas legislativas” em 2024. Ainda é tempo de sair das “bolhas” dos coletivos e fazer política concreta.


[1] Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo desde 1965. Muito criticado como “pelego”, ou seja, um líder sindical conservador. Três momentos de sua atuação merecem ser lembrados: o protesto contra o assassinato do operário Manoel Fiel Filho nos porões da ditadura, em 1976, a ação judicial, também durante a ditadura, reivindicando perdas salariais e a greve pela redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, consubstanciada na Constituição de 1988 como marco para colocar o dia 5 de outubro no calendário nacional como Dia da Democracia.


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