Visões da Posse Presidencial Brasileira
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
De Paris, pelas capas e páginas do Le
Monde, as notícias que se conhecem sobre a América (salvo os EUA) são muito
escassas, exceto, aliás, o triunfo da Argentina na Copa do Mundo, naquela
esplêndida final contra a França e a posse de Lula.
Como se era de esperar os franceses
ficaram tristes, mas com uma tristeza contida, que se combina com as baixas
temperaturas deste inverno, os dias de chuva e muitos dias em que o céu tem uma
cor acinzentada.
Após a Copa do Mundo, que agora parece
distante, as notícias continuaram a se concentrar principalmente na invasão
russa da Ucrânia e esse relance sobre o país de Pelé, inclusive a sua despedida
e as homenagens.
A Ucrânia, já se disse, tem uma história
difícil, complexa e até inconstante na sua relação com a Europa, mas hoje se
tornou um símbolo europeu não só como realidade geográfica, mas como portadora
dos valores que incorporou desde o fim da Segunda Guerra Mundial e por meio de
um espírito de incrível resistência à anacrônica lógica imperial do século XIX
da Rússia contemporânea.
A chancelaria do Brasil não errou em
condenar tamanha invasão e é motivo de orgulho, pois só no confuso e triste
momento que a América atravessava inclusive com o Presidente daqui a época que brincava
de aprendiz de feiticeiro e assumira posições alheias à condenação da invasão,
reagindo com posições ambíguas.
Claro que aquele populismo reacionário que
imaginava viver na velha guerra fria e até pensou que o regime oligárquico russo
havia um que de similitude com o que aqui se fazia. Mas Bolsonaro, um personagem
de extrema direita, viúvo de Trump, também fez o que é de praxe fazia
diuturnamente em sua conduta: o disparate total.
Nossa América tem em seu radar ser a
favor o abraço e respeito ao Direito Internacional e a defesa das democracias,
por mais imperfeitas que sejam. E é aí que a cerimônia da Posse Presidencial
Brasileira entrou nos jornais planetários.
Ficou claro nela que nosso lugar é no Ocidente,
com base em nossos valores fundadores e históricos, incluindo a miscigenação e
o sincretismo intercultural, e o gesto brilhante da subida e entrega da faixa repôs
a bela realidade do nosso extremo ocidente, como apontou Alain Rouquié.
Paralelamente a situação que o Peru
atravessa fez pouco barulho, embora tenha sido manchete o autogolpe do
ex-presidente Pedro Castillo, depois de um mandato presidencial tão inútil
quanto perigoso, indecifrável, pitoresco, etéreo, sem orientação conhecida, por
onde passaram numerosos ministros e ministras, de diversas cores políticas,
cujo trabalho ninguém conhecia, até porque duraram muito pouco. Foi declarado
pelo Parlamento com "incapacidade moral permanente", conceito muito
elaborado, onde bastava dizer incapaz tout court.
Também se falou em corrupção. O
Parlamento, que também não é um caldeirão de virtudes democráticas e republicanas,
agiu legalmente nesta ocasião contra o autogolpe.
Já faz algum tempo que o Peru quase não
tem sistema político. Sua economia cresceu e tem riqueza, mas a desigualdade é
grande e a pobreza social e territorial continua alta. Os partidos políticos
são fragmentados e nas mãos de caudilhos e seus presidentes muitas vezes
terminam muito mal. Nada que Mariátegui não tenha visto e escrito.
No entanto, não podemos considerar o
Peru como uma exceção. Os fenômenos descritos estão presentes em toda a América
(e não só) de forma mais ou menos aguda.
Ninguém na América poderia atirar a
primeira pedra. Em todos os países, a crise das instituições democráticas
tendeu a se agravar, a pobreza e a desigualdade aumentaram, a insegurança
cidadã e o aumento da criminalidade existem em todos os lugares. Embora as
Américas Central e do Sul representem 8,6% da população mundial, um terço dos
crimes do mundo ocorre por aqui.
Estamos longe do período de prosperidade
que terminou em 2013. Como aponta o último Balanço Preliminar das Economias da
CEPAL, na década de 2014-2023 experimentaremos um crescimento ainda menor do
que o dá década perdida da crise da dívida, ocorrida nos anos 1980.
O esforço que devemos fazer para sair
desta prolongada crise, certamente agravada pela pandemia, será enorme.
A retórica populista, seja qual for sua
cor, mostrou uma total incapacidade de combinar mais crescimento, mais
igualdade e mais liberdade para a sociedade dos indivíduos. Os três elementos
que John Maynard Keynes definiu como o problema político das humanidades.
O Brasil que quase não era falado passou
para as manchetes e talvez isso seja, afinal, um bom sinal. Em comparação com a
grande maioria dos países da América, o Brasil resistiu e conseguiu manter muitas
vantagens acumuladas pelos anos democráticos. Mas essa perspectiva só renderá
mais frutos com um impulso permanente, boa governança republicana, melhor
prática da política da frente democrática, mais cooperação do que conflito. Pelo
que se anunciou voltamos a este caminho, as situações mais negativas que vimos
à nossa volta nos últimos 4 anos, devem fazer parte da coleção tristonha de nosso
passado de murmúrios e que não mais voltem a nos assombrar.
5 de janeiro de 2023
[1] Presidente da
CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da
UniverCEDAE.
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