O Poderoso Chefão – 50 anos
Em memória da
ibérica Nélida Piñon e de Pedro Paulo Rangel
Por Pablo
Spinelli
Um dos conceitos
basilares para a formação da humanidade é o da família. De antropólogos a
arqueólogos, de historiadores a sociólogos, esse é um dos temas que perpassa a
noção de clã, de formação do Estado, de alianças por posse de terras e águas em
tempos primitivos. Falar a partir de um núcleo familiar em qualquer expressão
das artes é passar uma mensagem universal, apontar virtudes e defeitos,
projeções e frustrações em um imaginário coletivo familiar.
O Brasil é um país que
desde a formação das Capitanias Hereditárias e pela tradição ibérica ao se
misturar com a ameríndia teve a tônica do núcleo familiar. Uma dos grandes
pensadores brasileiros, Oliveira Vianna, apontava os núcleos dispersos das
famílias como um entrave para um modelo liberal para o país. Gilberto Freyre,
na sua obra-prima muito criticada e pouco lida fala das acomodações familiares
onde os escravizados acabaram por reproduzir aqui os núcleos familiares de
molde do colonizador, como nos mostrou Robert Slenes, dentre vários. Para dois
dos fundadores do PT, a família é uma herança do patrimonialismo ibérico dos Donos do Poder e que poderia ser uma
raiz ruim dentro das Raízes do Brasil.
Coube a um descendente
italiano lançar em dezembro de 1972 a maior obra do cinema sobre uma família.
Francis Ford Coppola adaptou com o também ítalo-americano Mario Puzo, o livro
The Godfather (uma mescla da família e religião), conhecido no Brasil pela
hipérbole O Poderoso Chefão.
Há 50 anos, os EUA
viviam um momento de ebulição com os escândalos – para nós, algo pueril – do
Watergate que levou à renúncia do Presidente Richard Nixon, um dos pais da
manipulação do que hoje se chama de fake news havia passado pela morte dos
Kennedy (uma família muito sombria), de Luther King e Malcolm X. Os EUA viviam
uma onda de pessimismo e ceticismo que o novo cinema americano abordou em
formas cínicas, críticas e variadas. Coppola escolheu os Corleone como um
símbolo de uma instituição que teria como concorrente à corrupção e violência o
próprio Estado. O esquerdismo do diretor acabou por glamourizar a família
principal com características que um reacionário adoraria: honra, tradição,
hierarquia, patriarcado, lealdade. Os filmes posteriores ajustaram isso e
fizeram dos Corleone a maior saga familiar desde Shakespeare.
Como qualquer escolha é
de caráter subjetivo, entendo O Poderoso Chefão como o melhor filme do cinema
jamais feito por conta da correção em todos os seus elementos: o elenco que vai
desde o desacreditado Marlon Brando – que é o coadjuvante, mas sua estupenda
atuação faz parecer o protagonista – aos já iniciados Robert Duvall e James
Caan até aos “novatos” Al Pacino e Diane Keaton. A fotografia do mestre das
sombras Gordon Willis, cenários de Dean Tavoularis, a trilha inesquecível de
Nino Rota, parceiro de Fellini, as locações na Sicília (destaque para os cartazes
do PCI nos muros por onde anda Michael Corleone), o roteiro que nos ensina que
um filme lento é diferente de monótono e o seu final catártico, barroco, que
tem muito a ensinar ao Tribunal da Virtude Linguística que nos domina: palavras
não determinam ações.
Para um país que viveu
por 4 anos sob o jugo de uma família farsesca de origem italiana, que tentou
trazer para si o paradigma familiar a partir de valores ditos medievais mas que
viveu sob a sombra do liberalismo – o pai é um divorciado e foi um amasiado
- e que agora pode viver novamente sob a
sombra das famílias corporativas da representatividade identitária e do
aparelhamento para os “bons companheiros”, um alerta do país ao governo que se
organizar pela premissa de que “não é nada pessoal, são apenas negócios”: uma
nova cabeça de cavalo ou de burro pode aparecer na cama. O Centrão pode passar
o garrote.
Bolsoleone?
ResponderExcluirAnálise magnífica.
ResponderExcluirSensacional
ResponderExcluirBela comparação! A familícia não tem honra, essa é a grande diferença. Parabéns!
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