domingo, 11 de setembro de 2022

ESPECIAL - DEZ ANOS SEM ERIC HOBSBAWM

 

Uma década de saudade de Eric Hobsbawm

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

Eric Hobsbawm (1917-2012) morreu em 1º de outubro aos 95 anos, foi o mais proeminente historiador do século XX e um defensor da justiça social por toda a vida. Já o conhecia de leitura de longa data, mas pessoalmente só por ocasião de seu tour de lançamento no Brasil de Era dos Extremos em 1995.

Nascido em Alexandria, Egito, filho de pai britânico e mãe austríaca, foi educado em Viena e Berlim. Seus responsáveis o levaram para Londres em 1933 quando Hitler chegou ao poder e ele viveu o resto de sua vida na Inglaterra, onde lecionou por muitos anos no Birkbeck College de Londres.

Quando adolescente, Hobsbawm não apenas testemunhou a ascensão do nazismo, mas esteve presente em 1936 na massiva manifestação popular em Paris que celebrou a vitória eleitoral da Frente Popular. Os acontecimentos daquele período turbulento o levaram a se filiar ao movimento e partido comunista e permaneceu filiado até seu desaparecimento na década de 1990, principalmente, escreveu ele, por respeito à memória de companheiros que sofreram perseguição ou morte por suas crenças políticas.

Os escritos históricos de Hobsbawm trouxeram uma análise sofisticada que via o conflito de classes como uma força motriz da mudança histórica, mas rejeitava as estruturas teleológicas. Como o próprio Marx, Hobsbawm via o capitalismo como um sistema social global, que precisava ser analisado em seu conjunto, e rejeitava noções de inevitabilidade histórica. Ele insistia que as pessoas deveriam se esforçar para vislumbrar uma ordem social mais humana, mas que a história não tinha uma trajetória predeterminada. Seus escritos sobre a história do trabalho britânico ajudaram a lançar a “nova história social” que dominou os estudos históricos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América nas décadas de 1970 e 1980. No entanto, ele sempre pontuou que os estudos sobre a ação de pessoas comuns, tão importantes para expandir o elenco de personagens históricos, devem ser colocados no contexto mais amplo de como as relações sociais e o poder político é exercido.

Os livros de Hobsbawm cobrem uma incrível variedade de assuntos. Ele ganhou destaque na década de 1950 com sua contribuição para o que era então um debate animado sobre a “crise geral” da Inglaterra do século XVII. Juntamente com E. P. Thompson (1924-1993), os escritos de Hobsbawm ajudaram a inspirar a expansão da história do trabalho, dos estudos dos sindicatos ao exame da vida dos trabalhadores, e desencadearam um interesse em banditismo, anarquismo rural e outras formas do que ele chamou de protesto “pré-político”.



Hobsbawm ficou mais conhecido por sua magistral série das Eras, que juntas contam a história mundial desde o início das Revoluções do século XVIII até o fim do século XX. Muito antes da atual moda de “internacionalizar” o estudo da história, Hobsbawm insistia que o capitalismo é um sistema global, que deve ser estudado em um contexto global. Os livros se basearam em eventos em todas as regiões do mundo e em fontes e estudos em vários idiomas. Hobsbawm sentia-se à vontade para discutir assuntos tão distantes da Grã-Bretanha quanto os eventos que deram fim a colonização na Ibero-América, a Restauração Meiji no Japão e a ascensão ao poder global dos Estados Unidos da América, mas foi capaz de mesclar detalhes locais em um relato coerente da política global, mudanças econômicas e sociais. Os relatos também abordam arte, cultura, ciência, tecnologia e outras questões da criatividade e experiência planetária. Esses livros seguem sendo o ponto de partida para quem busca uma história abrangente do mundo moderno.

Um polímata, Hobsbawm também foi um notável crítico de jazz, por muitos anos escrevendo críticas musicais sob o nome de Francis Newton. Ele era um ensaísta talentoso sobre assuntos atuais, cujos escritos tinham um amplo público entre os interessados em política. Em qualquer gênero, suas obras eram lúcidas e poderosas, e sempre carregavam uma inflexão ética.

Pessoalmente, o conheci e troquei breves palavras naquela noite de 16 de agosto de 1995 na palestra que fez no auditório de O Globo, no Rio de Janeiro. Hobsbawm era uma pessoa gregária, de mente aberta e generosa, cujo grande círculo de amigos abrangia todo o espectro político e social. Sua vida e seus escritos servirão por muito tempo de inspiração para aqueles que acreditam que o conhecimento da história é essencial para entender o mundo atual e para a luta por criar um mundo melhor.

 

19 de agosto de 2022



[1] Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.






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