Medo[1]
Por Paloma Jorge
Amado
Estou com medo. As
manobras para o golpe estão sendo feitas escancaradamente no nosso nariz, sem o
menor pudor. O presidente do Congresso, sentado na pilha de pedidos de
impeachements que residem inquietos em seu escritório, determina voto remoto
para aprovação da Pec que atende, não às necessidades reais do povo que passa
fome, mas a uma eleição que o monstro
quer ganhar a todo o custo.
Monstro sim, que tenta
inverter a culpa no brutal assassinato de um pai que festeja seu aniversário
com alegria. Monstro que não é capaz de se condoer com o drama das mulheres
estupradas na hora do parto, por outro monstro que se faz de médico.
O monstro que se faz de
Presidente da República ri da nossa cara dizendo não incitar à violência,
quando o País estarrecido vê seu filho, com a filhinha no colo, “apagar as
velinhas” de um bolo de aniversário em forma de revólver, dando continuidade à
educação para a morte, única que conhece.
Estou com medo. Fico
pensando para onde fugir, no dia que a Democracia for definitivamente extinta, com
muito sangue e publicação no Diário Oficial.
Por ser neta de anarquistas, a Itália negou cidadania a minha mãe, em cujas veias corriam cem por cento de sangue italiano, e a mim por tabela. Minhas origens portuguesas me levam aos Amado sefarditas que fugiram da inquisição e vieram de carona com Nassau para a nova pátria. O escravo que casou com a menina Amado, gosto de pensar que tenha vindo do Benim, mas não sei na verdade de qual tribo foi arrancado naquele então, para o mais cruel dos destinos, a escravidão.
Resta-me minha
Tchecoslováquia natal, atual República Tcheca, que me garante cidadania
européia. País que tem sofrido com a guerra sua vizinha e onde se fala língua
difícil, mais difícil que o português. Para ter passaporte tcheco, preciso
falar tcheco e também morar no país por cinco anos… Será que ainda me restam
cinco anos? Até lá terei a idade de Tati Moreno, meu amigo escultor — e que
escultor maravilhoso! —, que morreu esta semana. A ele todas as minhas
homenagens.
Tudo que sei da língua
tcheca, aprendi com meu irmão Juca, o único da família que realmente dominou
esta língua um dia. Aliás, ele pintou e
bordou em tcheco na sua tenra infância.
Conto aqui duas historinhas que me foram contadas inúmeras vezes por
minha mãe, acontecidas antes de eu nascer.
Um dia tomaram um
ônibus para irem de Dobrîs, onde moravam, a Praga. Juca vinha sentadinho ao
lado de mamãe, o ônibus cheio, todos quietos. Como silêncio não era com ele,
começou a falar bem alto, para que todos escutassem:
“Eu sou um menininho
brasileiro que vive no Castelo de Dobrîs. Meus pais são exilados e não podemos
voltar para o Brasil. Meus pais têm bicicletas, eu não tenho. Na bicicleta do
meu pai e na da minha mãe tem cadeirinha para mim. Quando é uma subida, eu vou
com a minha mãe, para descer ladeira eu vou com meu pai…”
O ônibus em peso caiu
na gargalhada, inclusive mamãe… O tcheco falado dele era bom, ele contava sua
história e distraia o público nos 20 km de viagem.
Era menorzinho, quando
cometeu traquinagem fatal, ainda no Castelo de Dobrîs. Ao entrar no seu
escritório para trabalhar, papai encontrou Juca derramando todo o conteúdo do
tinteiro sobre o tapete.
— João Jorge Amado!
Ao ouvir seu nome
completo, dito assim até com sobrenome, Juca soltou o tinteiro e saiu correndo,
papai atrás dele. A picula foi pelo
castelo inteiro, salas, cozinha, corredores sem fim. Já exausto, voltou ao
local do crime, ajoelhou-se frente ao retrato de Lenine, pendurado na parede,
postou as mãozinhas como se fosse rezar e implorou por ajuda:
— Nenine…
Invocava o líder com o
nome que entendia. Deu resultado. Papai, botando os bofes pela boca, morreu de
rir. Se houvesse a intenção de uma palmada na bunda, essa morreu aí.
Nunca apanhamos, nem
surra nem uma simples palmada, em tempos que a prática era comum. Chamar pelo
nome completo fazia tremer, depois vinha uma conversa séria, que sempre
terminava em abraço carinhoso.
Em nossa casa, vivemos
sempre em paz e pela paz. Meu nome é um de seus símbolos, e o desejo de vivê-la
plenamente, eu o introjetei por completo. Quando nasci, ganhei presente
precioso de meu padrinho Nicolas Guillén, poeta cubano, que me fez um poema. Os
versos iniciais dizem assim:
Paloma, la Reina Maga,
de un Reino de Paz es
dueña:
a vivir em paz enseña
la Brasileña de Praga.[2]
Tudo o que desejo hoje
é ver o Brasil de volta ao seu caminho democrático e pacífico. Peço
encarecidamente o voto na chapa Lula & Alckmin no primeiro turno. Não é que
seja uma garantia de não ter golpe, por eleger-se o presidente ao mesmo tempo
em que deputados e senadores, mas é uma esperança.
Não importa se você
gosta do Lula ou do Alckmin, basta gostar do Brasil e de seu povo, por ele
ter respeito. Eu, pessoalmente, agradeço
de coração.
Bom domingo a todos.
[1] Paloma Jorge Amado gentilmente autorizou que nosso BLOG republicasse sua crônica “Medo” que foi divulgada no domingo de 17 de julho de 2022. No início postamos uma passagem de uma entrevista da mãe Zélia Gattai sobre o exílio de seu pai Jorge Amado e família na Europa.
[2] Estou publicando a foto do original do poema, se quiserem ler os demais versos, é só dar uma olhada e sentir o peso de minha responsabilidade. Todas as fotos são no Castelo de Dobris. Juca com meus pais na bicicleta; eu no colo de meu padrinho Guillén.
Do Medo precisa nascer a Coragem!
ResponderExcluirPara mim, Jorge (o mais Amado do Brasil) é um dos melhores, se não o melhor. Paloma, faço tuas as minhas palavras. Estas eleições é muito mais que uma polarização entre esquerda ou direita. É uma luta entre o bem e o mal. Ou manter vivo todo um "projeto de Brasil nação". Projeto este que querem a todo custo finalizar sem ao menos começar.
ResponderExcluirLULA ELEITO NO PRIMEIRO TURNO.