“Não Olhe para Cima” e a
Casa Comum
Marcio Junior[1]
Em entrevista por conta do lançamento do filme O Lobo de Wall Street, produzido e
protagonizado por Leonardo DiCaprio, Margot Robbie (que contracenou sendo a
esposa do personagem de Leo) contou uma anedota engraçada: o tempo interminável
que Leo falava sem parar sobre a questão ambiental, tema caro para o ator. Nas
palavras de sua colega, em tom reclamão, "ele é muito nerd nisso".
Talvez ele tenha falado demais ou algo do tipo e isso pode ter chateado a moça
no set, mas, a despeito disso, ela tem razão no fato em si. Leo é aplicado em
outras questões para além da atividade de ator.
Em 24 de maio de 2015, data da Solenidade de Pentecostes
daquele ano, Francisco (que já recebeu Leo no Vaticano) publicou a encíclica Laudato Si’[2]
(Louvado Sejas), onde inicia citando o Cântico das Criaturas, de Francisco de
Assis, que intitula o texto[3]. Trata-se
de uma discussão acerca de linhas de ação, e não só, para a proteção da Casa
Comum. Foi, na prática, o documento com o qual a Igreja Católica entrou na
discussão que resultou no Acordo de Paris, a COP21. Em um dos pontos, acentua
que as estratégias de compra e venda de créditos de emissão de gases poluentes[4], se não
viabilizadas e praticadas objetivamente, não seriam eficazes como ação de
mitigação do efeito estufa. No Acordo de Paris[5],
seu Artigo 6 propõe as balizas para essa tarefa e elas seriam de
responsabilidade das partes, ou seja, dos países signatários e,
consequentemente, dos seus governos.
Leonardo DiCaprio, que anos atrás personificou um
desenhista pobre que morreu após o naufrágio de um navio a carvão em 1912,
discursou em Glasgow, na COP26, em novembro do ano que terminou a pouco. Este
evento marcou, entre muitas coisas, o consenso das partes sobre as balizas
objetivas relacionadas ao mercado de carbono, construindo as regras e
procedimentos acerca do Artigo 6 do Acordo de Paris[6].
Em 2020 a ConaREDD++[7]
publicou suas três resoluções existentes até o momento. A Resolução Nº 3[8], em
especial, reconhece um mercado voluntário de carbono florestal, porém é de
tamanho mínimo, sem nem ao menos definir o que é isso. Em outras palavras, letra
morta. O problema, a nosso ver, é maior do que parece: trata-se de problemas
múltiplos, mas todos se voltam para a ausência de programa político.
Em Não Olhe para
Cima (2021), de Adam McKay, Leonardo DiCaprio se transforma em Dr. Randall
Mindy, astrônomo que, junto a Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), sua aluna e
orientanda, precisam convencer o mundo de que o planeta Terra será atingido por
um cometa e toda vida será extinta. A maioria, porém, não lhe dá ouvidos,
inclusive a Presidente dos EUA, negacionista. A saída das personagens, então, é
gritar a plenos pulmões ao mundo o perigo que todos correm. Sem política, no
grito.
Entre nós, mesmo se fosse vontade daqueles que compõem o
governo discutir seriamente e fazer coisas quanto a essa questão, haveria pessoas
que dariam conta do recado, com espírito republicano e democrático para tal? Os
estudiosos dessas questões não podem e não devem ajudar na preparação de um
programa político para qualquer governo eleito em 2022, o que inclui a
possibilidade de reeleição do governo que está em exercício agora? Trata-se de
uma questão urgente para o mundo e não é bom, nem para nós nem pra ninguém, que
peguemos o bonde andando. Não são as bravatas e a estupidez contra quem quer
que seja que irão ajudar, mas sim uma política programática e inteligente. Ou
será que estarmos em maus lençóis, principalmente educacionais, não seja algo
de responsabilidade de todos e todas ou até mesmo daqueles que tem como
atividade fazer ciência?
“Nada deste mundo nos é indiferente”. Escreveu Francisco.
[1] Professor do Instituto Devecchi. Mestre em Ciências Sociais
em Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade pela UFRRJ.
[2]Em Português:
[3]“Louvado sejas, meu
Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz
variados frutos com flores coloridas e verduras”.
[4]Em síntese, o mercado de carbono consiste na agregação de um
valor à quantidade emitida de gases do efeito estufa por um país, em forma de
crédito. Caso este país não emitisse a quantidade de gases que lhe é permitido
em determinado tempo, a diferença poderia ser vendida para outro país. Este
mercado tem gênese na Rio 92, cuja cidade-sede é de onde escrevo este texto.
[7]A Comissão Nacional para REDD++, presidida pelo Ministério
do Meio Ambiente e com vários Ministérios a integrando, foi criada em 2015 e
implementado sob o Governo Temer, para coordenar os trabalhos de redução de
emissões provenientes de degradação florestal, afim de atender os requisitos
para receber os incentivos financeiros estabelecidos no Marco de Varsóvia para
REDD++, resultante da COP19, de 2013.
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