domingo, 19 de dezembro de 2021

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA Número 1


 

Paolo Sorrentino Sem a Renúncia da Casa

Por Vagner Gomes de Souza

"É o que digo, se for... Existe é homem humano. Travessia"

Guimarães Rosa - Grande Sertão Veredas

 

Uma semana de estreia na NETFLIX de mais um filme do cineasta italiano Paolo Sorrentino (ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro por Grande Beleza em 2014). A Mão de Deus (2021) é o desafio de um cineasta em atrair a juventude para o gosto pela sétima arte. A produção cinematográfica de um italiano atrair uma nova geração pela via da globalização do streeming é uma hipótese desde que o roteiro trabalhe muito bem os sentimentos humanos como a memória.

Faz parte de esse desafio pensar sobre os impactos da Pandemia da COVID19 nas relações humanas e suas sensibilidades quanto à dramaticidade da dor. Em primeiro lugar, o Gramsci, que escrevia em Il grido del popolo (9 de fevereiro de 1918), poderia ser convocado por conta do tema agregador da família. “A família é, essencialmente, um organismo moral. É o primeiro núcleo social que supera o indivíduo, que impõe ao indivíduo obrigações e responsabilidades.”[1] As lembranças do personagem principal do filme partem desse núcleo nos anos 80 do século passado, o que faz muitos críticos se limitarem a ver uma influência de Frederico Fellini (1920 – 1993) por conta do filme Amarcord (1973).

Entretanto, há um diálogo memorialístico com outros cineastas italiano que pedirá ao leitor um pouco de curiosidade e responsabilidade para se tornar mais um familiar desse mundo fascinante do Cinema. Digamos que A Mão de Deus também celebra a memória de Ettore Scola (1931 – 2016) que hoje seria patrulhado pelos “cancelamentos” das redes sociais por conta de seu filme de estreia (Fala-se de mulheres, 1964). Mas Scola muito bem visitava a memória do passado em seus personagens para espelhar um momento histórico. Fez uma produção cinematográfica da Casa Comum que muitos achavam ser de “vermelhos”, porém eram os humanos valores encantando muitos jovens nos anos 80/90 ao assistir seus filmes e formar uma geração.

Paolo Sorrentino se globaliza pela NETFLIX sem que renuncie a essa Casa Comum. Está muito mais de volta ao lar como se fosse um herói da Marvel a dar saltos e mais saltos em referências cinematográficas do cinema italiano para a alegria dos “Eremildos” de plantão. Se as teias da memória estariam em Nápoles, não podemos deixar sem menção a Nova York do “aracnídeo” David  Aaronson que também voltou ao seu lar no Brooklyn ao som de “Yesteday”. O diretor faz referência a Era uma vez na América constante pela fita em VHS, o que reforça ainda mais sua pluralidade familiar nessa Casa de cineastas nessa homenagem a Sergio Leone (1929 – 1989).


O personagem/cineasta Antonio Capuano praticamente berra ao jovem Fabietto Schisa que há muito que se inspirar na realidade de sua cidade. Há um interessante debate se a dor justificaria a fuga da realidade. Não se poderia fazer da fantasia uma fuga, mas a manifestação da interpretação em outras vias dessa realidade. Como essa pandemia que fez muitos ficarem sem volta para casa. A juventude é convidada a persistir no reencontro de caminhos que mantenham a memória desses tempos sombrios. Portanto, o roteiro transita muito bem da comédia para um drama sentimental. E forte fica a frase que ecoa: “São tempos de se pensar no futuro!”

Consequentemente, Giuseppe Tornatore (ainda em atividade) é como se fosse um “irmão” mais velho nesse lar de interpretação da memória no cinema que se fez presente na Itália por conta da “Questão Meridional” assim como a música dos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil povoam as lembranças dos anos 80 de uma geração. Um compromisso histórico entre as forças políticas através da música brasileira poderia estar em paralelo a esse ensaio de A Mão de Deus para o cinema italiano nesses tempos pós Ennio Morricone (autor de uma brilhante parceria com Tornatore).


Entretanto, não é um cinema que mais sensibiliza o jovem Schisa, mas o Estádio de futebol.  Nada como a passagem de 1984 a 1991 de Diego Maradona (1960 – 2020) no Napoli para explicar a mudança do nome do Estádio de São Paulo em dezembro de 2020. Afinal, a referência ao gol de mão na vitória da Argentina na Copa de 1986 (qual brasileiro torceu contra a Argentina nessa final!?!) é uma ponte do título para esse Estádio. “Foi uma vitória contra anos de exploração” diria o tio Alfredo do filme, provavelmente leitor de Eduardo Galeano, hoje nos grupos de Zap das famílias.

Por fim, o que poderemos dizer sobre A Mão de Deus (2021) para a juventude que enche os cinemas para assistir Homem-aranha Sem Volta para a Casa? As linhas acima já seriam um bom desafio para que se pense no futuro. Esse se faz com respeito a memória de uma tradição que fez o mundo melhorar com os valores humanos vinculados a República e a Democracia. A memória das vítimas da COVID19 exige dos jovens um 2022 que se faça com autocrítica em relação a 2018. Todavia, 2026 está logo ali.

[1] Gramsci, Antonio. Escritos Políticos. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2004, p. 141.

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