Paolo
Sorrentino Sem a Renúncia da Casa
Por Vagner Gomes
de Souza
"É o que digo, se for... Existe é homem humano. Travessia"
Guimarães Rosa - Grande Sertão Veredas
Uma semana de estreia
na NETFLIX de mais um filme do cineasta italiano Paolo Sorrentino (ganhador do
Oscar de melhor filme estrangeiro por Grande
Beleza em 2014). A Mão de Deus
(2021) é o desafio de um cineasta em atrair a juventude para o gosto pela
sétima arte. A produção cinematográfica de um italiano atrair uma nova geração
pela via da globalização do streeming é uma hipótese desde que o roteiro
trabalhe muito bem os sentimentos humanos como a memória.
Faz parte de esse
desafio pensar sobre os impactos da Pandemia da COVID19 nas relações humanas e
suas sensibilidades quanto à dramaticidade da dor. Em primeiro lugar, o
Gramsci, que escrevia em Il grido del popolo (9 de fevereiro de 1918), poderia
ser convocado por conta do tema agregador da família. “A família é,
essencialmente, um organismo moral. É o primeiro núcleo social que supera o
indivíduo, que impõe ao indivíduo obrigações e responsabilidades.”[1] As
lembranças do personagem principal do filme partem desse núcleo nos anos 80 do
século passado, o que faz muitos críticos se limitarem a ver uma influência de
Frederico Fellini (1920 – 1993) por conta do filme Amarcord (1973).
Entretanto, há um
diálogo memorialístico com outros cineastas italiano que pedirá ao leitor um
pouco de curiosidade e responsabilidade para se tornar mais um familiar desse
mundo fascinante do Cinema. Digamos que A Mão de Deus também celebra a memória
de Ettore Scola (1931 – 2016) que hoje seria patrulhado pelos “cancelamentos”
das redes sociais por conta de seu filme de estreia (Fala-se de mulheres, 1964). Mas Scola muito bem visitava a memória
do passado em seus personagens para espelhar um momento histórico. Fez uma
produção cinematográfica da Casa Comum que muitos achavam ser de “vermelhos”,
porém eram os humanos valores encantando muitos jovens nos anos 80/90 ao
assistir seus filmes e formar uma geração.
Paolo Sorrentino se
globaliza pela NETFLIX sem que renuncie a essa Casa Comum. Está muito mais de
volta ao lar como se fosse um herói da Marvel a dar saltos e mais saltos em
referências cinematográficas do cinema italiano para a alegria dos “Eremildos”
de plantão. Se as teias da memória estariam em Nápoles, não podemos deixar sem
menção a Nova York do “aracnídeo” David Aaronson que também voltou ao seu lar no
Brooklyn ao som de “Yesteday”. O diretor faz referência a Era uma vez na América constante pela fita em VHS, o que reforça
ainda mais sua pluralidade familiar nessa Casa de cineastas nessa homenagem a
Sergio Leone (1929 – 1989).
O personagem/cineasta
Antonio Capuano praticamente berra ao jovem Fabietto Schisa que há muito que se
inspirar na realidade de sua cidade. Há um interessante debate se a dor
justificaria a fuga da realidade. Não se poderia fazer da fantasia uma fuga,
mas a manifestação da interpretação em outras vias dessa realidade. Como essa
pandemia que fez muitos ficarem sem volta para casa. A juventude é convidada a
persistir no reencontro de caminhos que mantenham a memória desses tempos
sombrios. Portanto, o roteiro transita muito bem da comédia para um drama
sentimental. E forte fica a frase que ecoa: “São tempos de se pensar no futuro!”
Consequentemente,
Giuseppe Tornatore (ainda em atividade) é como se fosse um “irmão” mais velho
nesse lar de interpretação da memória no cinema que se fez presente na Itália
por conta da “Questão Meridional” assim como a música dos baianos Caetano Veloso
e Gilberto Gil povoam as lembranças dos anos 80 de uma geração. Um compromisso
histórico entre as forças políticas através da música brasileira poderia estar
em paralelo a esse ensaio de A Mão de
Deus para o cinema italiano nesses tempos pós Ennio Morricone (autor de uma
brilhante parceria com Tornatore).
Entretanto, não é um
cinema que mais sensibiliza o jovem Schisa, mas o Estádio de futebol. Nada como a passagem de 1984 a 1991 de Diego
Maradona (1960 – 2020) no Napoli para explicar a mudança do nome do Estádio de São
Paulo em dezembro de 2020. Afinal, a referência ao gol de mão na vitória da
Argentina na Copa de 1986 (qual brasileiro torceu contra a Argentina nessa
final!?!) é uma ponte do título para esse Estádio. “Foi uma vitória contra anos
de exploração” diria o tio Alfredo do filme, provavelmente leitor de Eduardo
Galeano, hoje nos grupos de Zap das famílias.
Por fim, o que
poderemos dizer sobre A Mão de Deus
(2021) para a juventude que enche os cinemas para assistir Homem-aranha Sem Volta para a Casa? As linhas acima já seriam um
bom desafio para que se pense no futuro. Esse se faz com respeito a memória de
uma tradição que fez o mundo melhorar com os valores humanos vinculados a
República e a Democracia. A memória das vítimas da COVID19 exige dos jovens um 2022
que se faça com autocrítica em relação a 2018. Todavia, 2026 está logo ali.
[1]
Gramsci, Antonio. Escritos Políticos.
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2004, p. 141.
Muito bom, ansioso para ver o filme...
ResponderExcluirParabéns excelente reflexão.
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