Três
Casais com Interpretações do Brasil em Nos Tempos do Imperador
Por Vagner Gomes
de Souza
A segunda fase do
folhetim televisivo Nos Tempos do Imperador trouxe a ficção histórica do século
XIX para um debate sobre a necessidade de algumas “revisões” de seu conteúdo.
Mudanças em algumas cenas seriam muito bem vidas uma vez que se trata da
primeira produção inédita nesse intervalo de “Quarentena” da Pandemia
inconclusa. Todavia, ainda nos chama a atenção para a reação distante da
juventude para essa obra. Não é uma novidade. Entretanto, é uma opção pelo
deserto buscar um diálogo com jovens sobre o trabalho de Selton Mello e as
contradições políticas da ficção. Alguns diriam que os jovens estariam
distantes da TV ABERTA, mas essa é uma interpretação para aqueles que acham que
vivemos 100% digital nas classes subalternas. A “Pequena África” do século XXI
é a “Grande Exclusão Digital” como nos demonstrou as experiências de pedra do
ensino remoto.
Esse artigo não tem
como objetivo aprofundar ou tentar esclarecer sobre a ausência da juventude
sobre o debate programático de nosso passado. Alguns diriam que muitos jovens,
até politizados, estejam de olhos voltados para a “fuga pra o futuro”. Nesse
caso, estariam fazendo militância política pensando em 2024, 2026, 2028 ou
2030. A juventude não se encontrou na “Malhação Viva a Diferença” com uma
roupagem do século XIX provavelmente por considerar que há mesmo essa “linha
reta” de um Tonico Rocha até um Artur Lira ou uma continuidade do racismo desde
antes A Era dos Impérios. Eric Hobsbawm
foi sempre comprado, mas nem sempre lido ou compreendido.
Então, falemos da
proposta de uma releitura de referências da História numa obra de ficção em
três casais ficcionais e históricos. Deveríamos reconhecer que uma obra de ficção
histórica não tem o compromisso com a exposição dos “fatos históricos” como
plena realidade, porém há oportunidades que se perdem em Nos Tempos do
Imperador por buscar uma tensão sobre uma relação inter-racial entre Maria do
Pilar (Gabriela Medvedovski) e Jorge/Samuel (Michel Gomes). Se esquecem da
contribuição da falecida concorrente TV MANCHETE com a teledramaturgia de Xica
da Silva (1996/1997) após a esquecida adaptação da obra de Jorge Amado “Tocaia
Grande”. Nessa obra a Xica da Silva (interpretada por Taís Araújo que foi a
terceira atriz negra a protagonizar uma novela[1])
vive um romance com João Fernandes, um representante do Estado Colonial português.
Eram tempos em que Fanon[2]
era um celebrado desconhecido nos “arraiais” das forças progressistas. Aliás,
foi uma novela pioneira, diga-se de passagem, pois o ator Guilherme Piva
interpretou um homossexual anos antes de “incorporar” o jeitinho brasileiro de
Roberto DaMatta[3]
no personagem Licurgo.
Licurgo e Germana
(Vivianne Pasmanter), para aqueles que ainda não conhecem a trama seriam
personagens que vieram das profundezas do iberismo de Portugal na novela “Novo
Mundo”, representam um perfil daquilo que muitos desejam superar de uma forma
americanista e conservadora. Entretanto, acaba por nos encantar esse estilo
próximo ao Macunaíma e foram literalmente atropelados pela modernização através
de uma Maria Fumaça ao final da primeira fase. Viraram os “fantasmas do
patrimonialismo” ao redor de um Cassino falido num sonho empreendedor do
Quinzinho. Esse seria o casal renegado por aquilo que Nelson Rodrigues[4]
chamaria de “complexo de vira lata” do brasileiro.
Por fim, o casal
histórico D. Pedro II e a Condessa de Barral (Mariana Ximenes) viveriam uma
relação extraconjugal como reflexo das contradições do nosso liberalismo até
mesmo na abordagem do tema da escravidão. Aonde muitos veem um clichê de novela
está a necessária oportunidade de intervenção para que o folhetim de época não
se perca em rodeios de anacronismos em temas e abordagens que deixam a política
em segundo plano. Na política eleitoral do século XIX brasileiro não pode
confundir o Imperador D. Pedro II como uma “Rainha da Inglaterra” que, na falta
de condições de fazer política, se dedica a estudar árabe e outros hobbies. Como
escreveu Ilmar Rohloff de Mattos[5]
tinham “os olhos do soberano” numa intricada política de aproximação da Coroa
tanto em relação aos Liberais (“Luzias”) quanto aos conservadores
(“Saquaremas”). Havia uma forte preocupação com a fidelidade matrimonial entre
o Imperador e a formação do Estado Imperial através de um corpo político que
não se fez presente como personagem na novela: o Conselho de Estado. Portanto,
os anseios por “retoques” na narrativa de “Nos Tempos do Imperador” precisam
dar uma atenção para esse ponto evitando um desfile de manifestações individualizadas.
[1]
As pioneiras foram Yolanda Braga em A Cor da Sua Pele (1965), da TV Tupi, e
Ruth de Souza em A Cabana do Pai Tomás (1968), da Rede Globo.
[2]
Frantz Fanon foi um psiquiatra, ensaísta e militante político que se envolveu
com a Frente de Libertação da Argélia. No Brasil, passou a ser conhecido mais
por vídeos de Youtube do que pela leitura contextualizada de sua vasta obra.
Afinal, a “descolonização” pretensamente defendida pelo autor se refere a
crítica ao neocolonialismo que surgiu naquilo que seria a fase superior do
capitalismo.
[3]
Roberto DaMatta é um antropólogo que se orgulha de se posicionar como
conservador. Poderia ser o “ideólogo” do debate da Cultura do Privilégio no seu
ensaio Você sabe com quem está falando?
[4]
Nelson Rodrigue se destacou como teatrólogo e cronista no país e teve a
tragédia familiar de 1929 como possíveis influências em sua obra. O Jornal
Crítica trouxe o relato da separação do casal Sylvia Serafim e João Thibau Jr.
Ilustrada por Roberto (irmão do autor) e assinada pelo repórter Orestes
Barbosa. Sylvia, cujo nome fora exposto na reportagem invadiu a redação do
jornal e atirou em Roberto com uma arma comprada naquele dia. Nelson
testemunhou o crime e a agonia do irmão, que morreu dias depois. Sylvia,
apoiada pelas sufragistas e por boa parte da imprensa concorrente de Crítica,
foi absolvida do crime.
[5] O Tempo Saquarema. 1ªedição, São Paulo:
Editora Hucitec, 1987 (Há uma 5ªedição de 2004).
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