quarta-feira, 31 de março de 2021

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 17


 

Lições sobre a Frente Democrática

Vagner Gomes de Souza

 

No ano da antipolítica, 2018, nas comemorações dos 30 anos da Constituição do Brasil, tive a lembrança daqueles anos marcados pela esperança na conquista da democracia e na superação das desigualdades sociais. Estávamos a 48 horas da realização do Primeiro Turno das Eleições Gerais em nosso país e a ansiedade era compartilhada por muitos ao meu redor em relação ao que estava por vir. Havia uma ausência de um balanço crítico das lições da derrota política do autoritarismo que se fez nas instituições democráticas numa sociedade conservadora.  Enfim, entremos num Segundo Turno sem debate programático que favoreceu uma onda da “nova política” que, na verdade, expressou os ressentimentos de segmentos sociais contrários a inclusão social.

Naquele momento, o legado da Nova República inaugurada na derrota da Ditadura Militar (1964 – 1985) através do corajoso comparecimento ao Colégio Eleitoral foi colocado em risco. Os desdobramentos dos fatos políticos dessa semana confirmam essa percepção. Em décadas de negociações, os indicadores sociais foram melhorando e uma pluralidade de leis consolidaram direitos para muitas pessoas simples. A elite econômica se deixou levar pelos cânticos da “sereia do autoritarismo” numa manifesta intenção de resolver o custo Brasil com a imposição da flexibilização. Mais mercado e menos valores democráticos.

Essa é a oportunidade de dialogar com amplos setores sobre a crise da representatividade em que o país se envolveu desde as jornadas de 2013. Os germes da metamorfose da política brasileira não teriam sido captados em sua profundidade. Começou um lento esvaziamento do Centro Político brasileiro manifestado numa polarização eleitoral instrumentalizada pelos seus principais atores políticos em 2014. Em seguida, a Operação Lava Jato (com fortes desdobramentos no Rio de Janeiro) permitiu que a mídia pavimentasse um processo de desqualificação da política. Emergiu a figura de um “tenentismo togado” a procura de um ator político que sintetizasse através da manifestação da fúria do voto.

O processo eleitoral em curso no Brasil tem semelhanças com os casos estudados por Manuel Castells em seu livro “Ruptura – A crise da democracia liberal” lançado em 2018. Os efeitos da crise econômica mundial alimentam a crise da legitimidade das forças políticas em curso. Aqui, a queda eleitoral das forças do Centro permitiu a emergência de forças obscuras de um passado que se considerava superado. Os conservadores se oferecem como alternativa fazendo a releitura da centralização política e como possibilidade de viabilizar a concentração da renda. Esses setores de linha reacionária sempre existiam às margens da política brasileira sufocados pela prática da política de um Centro comprometido com a democracia.

As mudanças na sociedade efetivadas pelas conquistas democráticas vivem esse risco de sofrer retrocesso diante das manifestações do voto de fúria. Os trabalhadores têm seus direitos ameaçados e precisam realizar alianças com outros segmentos da sociedade. Essa ponte era feita pelo Centro político que agora se faz necessário renascer das cinzas da política nacional. Os quadros políticos do liberalismo democrático ainda sobrevivem em muitos setores e precisamos dialogar com eles. Não é fácil numa época de informação em rede praticamente instantânea fazer uma opinião democrática prevalecer. Contudo, é tempo de reinventar a Frente Democrática que enfrentou a Ditadura Militar demonstrando que o discurso simplificado do “Nós contra Eles” está a serviço da elite econômica.

A Frente Democrática articula forças políticas e da sociedade na defesa da Democracia e a favor de reformas que beneficiem um gradual processo de distribuição de renda. A linha do desenvolvimento econômico com mais conquistas sociais sustentam um amplo “pacto na sociedade”. Seriam equivocados aqueles que limitem o debate da Frente nas negociações eleitorais. O tema eleitoral é precedido do tema político maior que sempre será o aprofundamento das instituições democráticas. Portanto, o recente discurso do Ex-presidente Lula mobilizou pontos de unidade com o centro político que não podem ser desprezados pelo sectarismo seja de qualquer coloração.

 

Nota: esse é um artigo atualizado a partir de “Lições sobre a Frente Democrática” que está originalmente publicado em meu livro A sagrada política / Vagner Gomes de Souza. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Albatroz, 2019. Pp. 64 – 66. Houve uma motivação diante de uma nova geração de jovens que me perguntam o que seria essa Frente.

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