Sementes
no Rio de Janeiro Cidade Aberta
Vagner Gomes de
Souza
No ano de 1945, Roberto
Rossellini sacudiu o cinema italiano com uma ficção sobre a resistência ao
fascismo. Foi em Roma Cidade Aberta que as sementes daquilo que seria a
política de “compromisso histórico” entre comunistas e democratas cristãos (só
defendida por Berlinguer nos anos 70) estariam sinalizadas pelos personagens. O
filme era uma ficção produzida no “calor da hora” da derrocada do fascismo no
mundo. Hoje ganha um grande contorno de registro histórico para muitos.
Nesse mesmo ano, no
antigo estado do Rio de Janeiro (morador de Niterói), era eleito Claudino José
da Silva como Deputado Constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) que
era considerado o único negro na Assembleia Nacional Constituinte que se
estabeleceu na no Palácio Tiradentes (atual ALERJ). Foi ele responsável por
fazer o primeiro discurso da bancada comunista nos debates constituintes.
Diante de tamanha responsabilidade, o discurso foi escrito por Jorge Amado e
Carlos Marighella e ganhou notoriedade por ter durado 4 horas e 25 minutos além
de ter obrigado a atenção dos outros constituintes, pois não queriam ser
considerados reacionários por não ouvirem um negro na tribuna.
Foram essas as referências
sobre o papel do legado em política que vieram a minha mente quando assisti ao
filme Sementes: mulheres pretas no poder
de Éthel Oliveira e Júlia Mariano em sua estreia no Youtube. O ano é 2018. Em
março daquele ano há o assassinato da Vereadora Marielle Franco num ano
eleitoral. O filme documentário registra a trajetória de seis mulheres negras
do campo da esquerda que entram na disputa eleitoral desse ano marcado pela
vitória eleitoral da extrema direita tanto no nível federal quanto no Rio de
Janeiro de Claudino José. Por isso, seu registro ganha força para um analista
uma vez que expõe as dificuldades materiais e de análise de conjuntura.
Todavia, o filme não
tem essa responsabilidade uma vez que é tarefa dos atores políticos fazerem
valer suas designações como forças políticas da esquerda. Portanto, é um documentário
mais etnográfico que político. Uma memória social de mulheres de luta
enfrentando o ovo da serpente. Minhas referências europeias se distanciam da
proposta americanizada de seu roteiro. Entretanto, percebemos a alma e a voz de
um Glauber Rocha (“Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”) numa cena
emblemática de Tainá de Paula se maquiando diante do espelho enquanto faz uma
análise de conjuntura. A muito do filme Deus
e o Diabo na Terra do Sol no percurso das aparições da arquiteta e urbanista
começando pela forma como a religiosidade de matriz africana aparece em sua
entrada em cena no filme.
Contudo, mesmo com as
inserções do nacional popular, a americanização do roteiro alimenta as falas de
uma Monica Francisco que faz um paralelo entre as escadarias da ALERJ e o
Lincoln Memorial no qual discursou Martin Luther King. Está nela a vocalização
da importância de vocalização da religiosidade sem necessidade uma
instrumentalização. Uma questão muito pouco aprofundada uma vez que a há muitos
perfis no filme desenvolvido em três momentos: as campanhas, a apuração e
posse/começo da atuação parlamentar das eleitas.
Nas três etapas dessa
desenrolar etnográfico e político, muito nos espanta a ausência dos atores
políticos de forma mais orgânica. Falta amadurecimento para lidar com candidaturas
negras de mulheres no estado que teve Claudino como Deputado Federal eleito. A escolha do título é relevante, pois estamos
num momento de resistência para evitar que a crise da democracia brasileira
descrita por Adam Pezeworski no prefácio para os brasileiros de seu livro (A Crise da Democracia) se consolide. O
legado da resistência passa pela ampliação do diálogo com uma pluralidade de
segmentos sociais que permitirá a consolidação das demandas da sociedade. Entretanto,
precisamos dos formuladores de programas para que as sementes não acabem caindo
nas rochas como nos ensinou Jesus na Parábola do Semeador.
Ótima visão sobre o filme! E o texto está bem escrito, parabéns!
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