Por João Sem
Regras
Peço licença ao leitor
para relatar um delírio que me passou antes de deixar essa vida terrena. Sei
que não sou o primeiro a relatar tamanha façanha. Brás Cubas foi o pioneiro a
contribuir aos curiosos da ciência. Todavia, meu delírio acompanha os sinais de
desencarnação da minha cidade (Rio de Janeiro). Se você não é forte o
suficiente para ler estórias de terror, saiba que lerá nas próximas linhas a
mais pura narração de fenômenos mentais que se encaixam com as perdas da
economia carioca. Mas espero que a sua curiosidade lhe faça ler para, quem sabe
mudar aquilo que está adoecendo a sociedade carioca. Tudo se passou em minha
cabeça em minutos, mas eu pude ver os anos “correrem” em minha frente.
Na figura de um escravo
de ganho a mendigar na frente de uma Igreja do século XIX fui ganhando forma
para encarar uma cidade de negros invisíveis para um conjunto de serviços
públicos. As moradias estão desorganizadas há tempos desde muitos séculos e a
cidade é um tabuleiro para os interesses imobiliários. Foi o que ouvi no meio
de meus delírios quando a voz de uma rainha Jinga assumia a fisionomia de uma
arquiteta que cheguei a ver na TV, mas esqueci de seu nome, pois a música do
vizinho atrapalhou que eu melhor compreendesse como se chamava. Um vizinho
confinado coloca Benito di Paula para atrapalhar eu ouvir aquela mulher.
Logo depois foi o
momento de entrar numa trilha temporal que pensei que me levaria aos tempos da
fundação de Estácio de Sá. Porém, fui parar no meio de uma viagem para um tempo
mais recente. Nas ruas estudantes andavam para pedir ao Prefeito o passe livre
nos ônibus para que todos pudessem ir estudar. A educação estava numa Greve de
meses, pois não havia pagamento dos salários. Era a falência do Rio de Janeiro
numa gestão de um Engenheiro nacionalista que chegou a ser Senador. Pensava que
ali seria o momento em que a cidade se danou de vez. Na verdade, foi o ponto de
partida para uma sequencia de gestões que primaram pelo ajuste financeiro das
contas públicas. Uma ratazana passa em meus pés e pode se fazer ouvir.
- Esse não é ainda o
momento da morte da cidadania carioca.
Insinuei que poderia
ter sido coisa do “chaguismo” que sempre foi o “boi de piranha” na apresentação
da política clientelista. Ou seriam outros “ismos” que povoam a cultura
política carioca. Muito, melhor foi fechar meus olhos e deixar que o tempo
brincasse em minha mente nas aparições de Carlos Lacerda, Negrão de Lima, José Frejat,
Marcelo Alencar e tantos outros que ainda estão vivos por aí. Sinceramente, o
Rio de Janeiro sempre foi mais uma “Babilônia” que o Éden. Contudo, poderíamos ver
até a tenda de Abraão onde hoje fica uma Catedral de uma igreja evangélica na
Avenida Dom Hélder Câmara. E os “cavalos corredores” chacinaram os indefesos ao
lado da Igreja da Candelária. As mães de Acari e sua dor. Enchentes e
desabamentos. Tamanha dor para se relatar e que relembrar me fez perder o
fôlego mesmo não podendo mais respirar. Quem respira nas linhas do BRT? Quem
respira no interior dos trens da SUPERVIA? Que situação se vive nas linhas de
metrô? Todos dias os trabalhadores clamam: “Não consigo mais respirar.”
Caiu se na minha frente
a imagem do caos. Um momento tenebroso que se abriu há poucos anos quando os
cariocas achavam que podiam deixar qualquer “aventureiro” chegar a governança
municipal. Abriu-se uma Bíblia como se fosse a “Caixa de Pandora” e a
experiência de laboratório de 2016 expôs o quanto estamos prisioneiros de uma
entidade que alimenta universos paralelos e se aliam as “forças ocultas” que se
vincularam a diversos empreendimentos. Desabam os prédios da Muzema diante de
meus olhos. Desejava ser apenas um pesadelo como outros, mas estava a
compreender que a cidadania carioca estava sem viver. A ratazana interviu outra
vez.
- Não te assustes com
aquilo que consumado está. Viva na busca de uma saída.
- Viver? – perguntei eu,
estava claro a quem derrotar.
Diante de minha
interrogação as imagens se misturaram num mosaico de forças políticas sem a “grandeza
política” de fazer um programa de unidade. Tudo fragmentos para fragmentos
realimentar. Como viver politicamente assim? Imagina tu leitor como é doloroso
ver toda uma cidade morrer como fonte de dinâmica social, pois os interesses de
uma “casta” se impôs na vida pública. Controla as vias públicas em muitas comunidades.
Negocia a vida e faz da informalidade um viés que alimenta um baixo clero da
política carioca. Pudera eu ser um italiano daquela grande ilha. Isso mesmo um
siciliano comprometido com o bem comum. Mas estou nesse turbilhão olhando para
o turbilhão de vocês. Os olhos do delírio ensinam a fazer a grande política
para qualquer disputa eleitoral. Um relâmpago cortou esse meu delírio. A minha
atenção era para que pudesse deixar algum sinal para os que ainda caminham sob
essa terra nas garras de um bloco eleitoral reacionário. Encaro a realidade que
se aproxima e alerto para que haja um buraco da agulha em que as alianças
precisam atravessar. Ou a colheita do mal se confirmará em 2022.
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