Rio de Janeiro atravessa uma profunda crise no
combate a pandemia da COVID19. Diante da omissão do Governo Federal, o colapso
da saúde pública é um problema que poderá proporcionar outras ondas de crises. A
hegemonia do conservadorismo e das posições de extrema-direita desorganizam as
ações em defesa das populações mais vulneráveis. Portanto, há a necessidade de
termos intelectuais refletindo e atuantes para a melhor intervenção dos atores
políticos na superação democrática desse momento. Portanto, a seguir, teremos
uma entrevista como professor Marcelo
Burgos (PUC – RJ) que, pela segunda vez em dois anos, atende positivamente aos
desafios de nosso BLOG VOTO POSITIVO.
O professor Marcelo
Burgos é Doutor em Sociologia pelo IUPERJ (1997) e tem trabalhado em pesquisas
de sociologia urbana, com ênfase em territórios segregados e periféricos.
Exerce docência na PUC-Rio de janeiro. Está na linha de frente na apresentação
e acompanhamento de Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas Favelas.
1)
Estamos em meio a uma crise apocalíptica
da saúde pública no Rio de Janeiro relacionada a “Pandemia do COVID19”. No seu
entender, como as comunidades periféricas vem enfrentando essa situação?
Do
jeito que podem! Na verdade, se considerarmos somente a cidade do Rio de
Janeiro e suas mais de 700 favelas, o que se observa é uma mobilização de suas
lideranças e organizações comunitárias, em busca de cestas básicas e outros
insumos, cada qual mobilizando suas próprias redes de apoio. O poder público
municipal não tem colaborado na organização e otimização de esforços e
recursos, e isso gera sobre trabalho, desperdício e o que é mais grave,
desigualdades também quanto ao acesso a esse tipo de apoio social, já que as
favelas mais centrais acabam sendo mais contempladas. Onde existem organizações
comunitárias mais estruturadas, como é o caso da Redes da Maré, tenta-se fazer
um trabalho mais abrangente, de assistência social, gestão da informação e de
apoios mais focalizados. Mas é pedir muito dessas organizações que façam um
trabalho que precisaria ser, no mínimo, mais compartilhado com o poder público.
2)
Qual sua avaliação sobre a atuação dos
gestores públicos (Governos Federal, Estadual e Municipal) no atendimento das
demandas das comunidades periféricas no combate ao COVID19? O que falta ser
feito?
O
governo federal está quase completamente paralisado pela desorganização do
Ministério da Saúde, especialmente após à demissão de Mandetta. Os recursos
inicialmente prometidos pela pasta não estão chegando; por outro lado, a
disponibilização da renda mínima de R$600 está demorando a contemplar
justamente os segmentos mais vulneráveis, para não falar que o acesso a esse
recurso tem sido ele próprio gerador de contaminação.
Quanto
ao governo estadual, tem tido uma atuação mais estruturada, mas ainda sinto
falta de uma concertação mais forte e organizada com os municípios da região
metropolitana, incluindo é claro a capital. Sei que essa é uma construção
difícil mas seria fundamental o estado chamar para si essa responsabilidade.
Além disso, acho que o estado deveria elaborar algum tipo de programa de renda
mínima para os moradores mais pobres da região metropolitana. Quanto ao
município, tem sido muito pouco responsivo. Dele dependem os serviços de
atenção primária de saúde e a assistência social, e para nenhuma das duas áreas
foi realizado um plano capaz de proteger esses serviços e esses profissionais,
em especial nas áreas mais populares da cidade. O resultado está aí, postos de
saúde e UPAs entrando em colapso, e muitos
profissionais doentes. Quanto a outras ações que poderiam mitigar o cenário de
colapso e de crise social e de confiança, até onde sei, a única iniciativa da
Prefeitura foi o programa de hospedagem em hotéis para indivíduos considerados
dos grupos de risco. Mas a iniciativa não tem sido senão muito parcialmente
utilizada, não alcançando o impacto social que poderia ter.
3)
O Prefeito Marcello Crivella teve novas
adesões de vereadores a bancada de seu partido, Republicanos, para a disputa
eleitoral municipal. Essa adesão política sugere que a política eleitoral está
deslocada da realidade dos problemas das camadas populares?
Infelizmente,
ao que tudo indica, parte da máquina pública da prefeitura está fortemente
capturada exclusivamente pelo cálculo eleitoral e pelo projeto da reeleição do
atual prefeito, não sendo capaz de perceber que estamos diante de uma iminente
tragédia humanitária, de que o quadro de Manaus já é um alerta. Nossa situação
exigiria, ao contrário, um poder público realmente preocupado em participar de
forma ativa na coordenação, organização e execução de ações voltadas
especialmente para as populações mais pobres. Pois o Rio é uma cidade muito
complexa, e se não forem consideradas as especificidades de suas favelas, e de
seus bairros populares, não teremos feito o necessário para evitar uma
catástrofe ainda maior. É por isso que nos mobilizamos, na criação de uma rede
envolvendo lideranças comunitárias, universidades e a FIOCRUZ. E a partir dessa
mobilização elaboramos um Plano de Ação para o Enfrentamento da Covid nas
Favelas. O Plano foi entregue no dia 1º de maio, às secretárias de saúde do
estado e do município, e no dia 4 de maio foi objeto de uma reunião com
diversos parlamentares da ALERJ, capitaneados por seu presidente, André
Ceciliano e pela Deputada Renata Sousa. O documento já é de domínio público, e
seu principal objetivo é o de aglutinar forças na defesa da criação de um
gabinete de crise reunindo estado, município, organizações comunitárias, universidades
e entidades de classe e científicas, sempre com o respaldo técnico da FIOCRUZ.
4)
Como estaria a atuação das Igrejas
Evangélicas nas comunidades periféricas no combate ao COVID19? O
“fundamentalismo neopentecostal” ganhou ou perdeu força?
Difícil
avaliar. Acho que não tenho fundamento para responder a essa pergunta. A única
pista que temos é a de que, se assumimos que a zona oeste tem sido uma área de
forte predominância do neopentecostalismo e que muitos de seus bairros têm sido
campeões na disseminação da covid, isso sugere que muitas dessas igrejas possivelmente
não devem estar trabalhando de modo mais intensivo a necessidade de
distanciamento social, entre outras medidas preventivas. Sabe-se, inclusive,
que muitas seguem fazendo cultos. E aqui, o alinhamento com o bolsonarismo pode
estar sendo o fator determinante. Infelizmente, um presidente irresponsável
como este que temos faz um enorme estrago na vida de pessoas que estão muito
sujeitas às redes de sustentação de seu projeto, que no Rio articula algumas
igrejas neopentecostais a grupos de milicianos, fortemente dominantes em vastas
regiões da Zona Oeste. A mesma hipótese valeria para regiões da Baixada
Fluminense como Caxias, por exemplo, que se apresenta como a região com maior
percentual de letalidade nesse momento.
5)
O Rio de Janeiro é uma das Capitais mais
atingidas com números de casos e óbitos por COVID19. Mesmo assim a “família
Bolsonaro” aprofunda uma atuação de negação da situação com o famoso “E daí?”.
O Senhor acha que essa postura renderá muitos votos nas próximas eleições
municipais?
Como
respondi anteriormente, antes de pensar nos votos, estou pensando no estrago
que essa postura tem feito na defesa da vida. Quanto ao impacto eleitoral, não
tenho como prever, e acho que ninguém tem, qual será o efeito eleitora dessa
estratégia criminosa. Uma coisa é certa, ela isola muito seu eleitorado, e vai
tornando seus seguidores membros de bandos. Isso faz lembrar em muitos aspectos
a forma como Hitler se relacionava com seus seguidores antes de chegar ao
poder.
6)
Diante desse cenário político, como
avalia a tentativa de aproximação entre o PSOL e o PT para uma disputa
eleitoral para a Prefeitura carioca? Haveria chances para uma candidatura mais
ao centro político?
Não
me considero um analista político, até porque não estudo a fundo uma série de
questões relacionadas à aritmética da competição política. Mas vejo a
aproximação dos dois partidos como um movimento importante, no sentido de
aglutinar forças. O ideal, porém, seria que esse arco fosse mais amplo,
envolvendo outros partidos do campo democrático. Com a adesão de Crivella ao
bolsonarismo, houve uma federalização às avessas da eleição, e o Rio será muito
provavelmente o epicentro da disputa em torno do projeto nazista dos Bolsonaro.
E parte importante desse processo deve ser o do reconhecimento que a questão
das milícias é muito fortemente uma questão municipal, pois boa parte dos
serviços que ela controla são da alçada do prefeito. Isso significa que
precisamos encarar essa eleição carioca como um momento decisivo na luta contra
nazismo (em sua versão miliciana), o que também significa que, caso vitoriosa, poderá
dar lugar a um projeto de cidade ungido pelos melhores ideais contidos em nossa
Carta de 1988.
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