A
Grande Ferida
Para
Maria da Conceição Tavares
Por
Vagner Gomes de Souza
Desde a transição
democrática brasileira (1979 – 1988) houve um gradual afastamento do social em
relação à formulação da política. A trajetória de vitórias sindicais do “novo
sindicalismo” emergiu sob tutela de uma americanização que foi se tornando
hegemônica na sociedade com efeitos contraditórios. De um lado um partido de
base popular emergia dos movimentos sociais (Partido dos Trabalhadores)
enquanto uma esquerda propositiva vinculada ao tema da grande política
declinava (entre suas várias vertentes há os partidos comunistas). Essa “cisão”
permitiu um “vazio” na disputa eleitoral presidencial de 1989 que permitiu a
vitória do programa neoliberal sob o comando de Fernando Collor.
As medidas econômicas
do Plano Collor trouxe a primeira experiência da implantação do neoliberalismo
”puro” no país que se beneficiava de dessa cisão entre política democrática e
movimentos sociais. A individualização dos sujeitos deixava no “embrião” essa
conjuntura em que vivemos na atualidade. A luta do social pelo social, na
verdade, só acelerou a despolitização da sociedade a medida que as classes
subalternas se viram diante da “Terra Prometida” dos ganhos individuais sem a
necessidade da organização coletiva.
Nos meios acadêmicos, a
fratura social se embrenhou num mundo de “novidades” fragmentadas na “Nova
História” e outras vertentes das Ciências Sociais encasteladas nos
Departamentos Universitários. Falar em Pensamento Social Brasileiro seria uma
forma política e democrática de resistência acadêmica que não se traduziu em
pontes com a formação do ensino básico nacional. Assim, os pensadores da
formulação econômica do país foram deixados nas prateleiras do esquecimento
enquanto a economia nacional se estabilizava com o Plano Real e na sequência
neodesenvolvimentista do Governo Lula/Dilma.
Contradições que
aguardam um momento de reflexão do campo democrático pois vivíamos anos de
declínio das desigualdades sociais. As forças democráticas não se renovaram
para debater a economia política como um campo do saber que esteja a serviço da
(re)distribuição de renda. O liberalismo sem a cultura política democrática foi
gradualmente cooptado pelo senso comum que tem hoje a “teologia da prosperidade”
de fortes núcleos pentecostais como militantes desse mundo sombrio a ser
enfrentado.
Abriu-se essa grande
ferida que permitiu agora a emergência de uma faceta do neoliberalismo em segunda onda. O neoliberalismo “puro” se
manifesta com a militância digital de grupos cientes da defesa da elite
econômica e crítica até das ideias de um capitalismo de face humana. Vivemos o “pinochetismo
fora de lugar” com setores militares compromissados com a memória de
justificativa dos porões da Ditadura Militar (1964 – 1985) e doutrinados pela
ideologia do antipetismo não se incomodam com uma política internacional submissa
aos norte-americanos e ao empreguismo.
Esse é o momento em que
a leitura do livro A Grande Saída: saúde,
riqueza e as origens da desigualdade (Editora Intrínseca, Rio de Janeiro,
2017) ganha um peso político para aqueles que defendem que a pobreza é a
demonstração da injustiça social. O autor Angus Deaton não está no campo do
marxismo, porém é um exemplo de um intelectual liberal comprometido com
pesquisas econômicas que nos ajudam a demonstrar as consequências econômicas da
nova orientação conservadora mundial. Portanto, merecidamente foi ganhador do
Prêmio Nobel de Economia. Contudo, permanece desconhecido entre as forças
políticas que defendem uma frente democrática ampliada contra as forças da
tirania da “pós-verdade”.
O livro foi
originalmente publicado no segundo mandato do Presidente Barack Obama (2013)
aonde ainda havia a baixa percepção da durabilidade dos efeitos retrógrados na
política depois da crise do capitalismo financeiro em 2008. Sua análise geral
sugere que o mundo melhorou em muitos indicadores socioeconômicos, mas a
persistência da desigualdade social seria uma “fronteira” a ser enfrentada com
ação política. Aqueles que venceram precisam estender suas mãos para aqueles
que ficaram atrás.
Não seria uma ação de
caridade. Seria o exercício da solidariedade social como escolha e manifestação
humana na política. Um diálogo do pensamento do autor com a sociologia de
Durkheim nos permite perceber o quanto o papel da saúde tem um sentido maternal
em diversas famílias. A solidariedade orgânica pelas agências internacionais
(ONU, OMS, UNICEF, etc.) lhe permite entender o progresso como um fator que
deve acolher o bem estar do mundo. A globalização poderia melhor observar os
efeitos da redução da pobreza na Índia e na China nas últimas décadas. Por outro
lado, o leitor sensível ao momento político contemporâneo compararia com os
descaminhos que Brasil e Argentina vivem em anos recentes uma vez que as
conquistas sociais desses “países chaves” do Cone Sul estão sendo retirados.
O livro é uma
importante aula para que cuidemos das feridas existentes no campo democrático.
Está dividido em três partes (“Vida e morte”, “Dinheiro” e “Ajuda”). O capítulo
“Bem-estar material nos Estados Unidos” deveria ser reproduzido entre as forças
progressistas para questionar as forças conservadoras que assimilam o
americanismo como simples desenvolvimento das forças progressistas. Muito bem
sabemos que há as contradições das relações sociais de produção e as escolhas
políticas sobre o combate a pobreza sempre será uma saída no qual os defensores
da democracia devem participar. Assim, A
Grande Saída: saúde, riqueza e as origens da desigualdade é um livro “frentista”
em oposição a as fraturas sociais que devoram a essência democrática da Carta
Constitucional de 1988.
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