domingo, 21 de outubro de 2018

TEATRO E FRENTE DEMOCRÁTICA


Confissões de um Diálogo Necessário
Vagner Gomes de Souza

Em tempos de falsas polarizações no cenário político brasileiro, as manifestações culturais são mais lúcidas que muitas articulações políticas. A peça “Confissões de um Senhor de Idade” permite que os segmentos democráticos da esquerda trilhem um caminho de diálogo com os religiosos. O autor/ator principal escreveu o texto antes da emergência eleitoral de uma “onda conservadora” favorável a busca de uma supremacia religiosa da chamada “Teologia da Prosperidade”. Entretanto, os diálogos entre o personagem Flávio e Deus ganham uma nova conexão com os novos tempos.
Chegamos ao momento político em que a peça ganha uma vida própria para além das intenções de seu criador. A peça ganha um livre-arbítrio na leitura do público.  Assim, o personagem Flávio estaria a redigir sua autobiobrafia após 63 anos de carreira como ator e recebe a visita de “Deus”. Nesse encontro inesperado há uma proposta de “Pacto” no qual “Deus” deseja ser hegemônico, porém, aos poucos, o incrédulo personagem vai expondo sua vida e seus motivos de reflexões sobre a espiritualidade.
No desenvolvimento da peça o expectador tem a oportunidade de conhecer um pouco de Flavio Migliaccio num depoimento em que expõe o quanto a cultura poderia enfrentar as dores humanas. A infância depoimento/peça é uma versão brasileira do filme italiano “A Vida é Bela”. O “Deus” faz a partir daí um julgamento sobre o nosso personagem sem fé ao mesmo tempo em que é dialeticamente confrontado com sua existência diante da humanidade.
Há fortes inspirações filosóficas no texto teatral, porém não deixemos de destacar seu impacto na sociologia política contemporânea. As bancadas religiosas ganharam força após a “Era Collor”. O discurso de modernização liberal extremado se conectou na sociedade e a crise do Estado de Bem Estar Social permitiu que denominações religiosas consolidassem a “Teologia da Prosperidade”. A mobilidade social em favor de uma falsa “Nova Classe Média” foi a “alavanca” sociopolítica desse novo olhar sobre a religião. Aos poucos, o conservadorismo político se transformou no ator político dessa metamorfose social.
Diante dos mais politizados, a peça demonstra que a morte da “Teologia da Libertação” é um fenômeno que deixou um vazio no diálogo da esquerda com as classes subalternas. Longe de lançar uma solução para essa fratura, a peça resgata o discurso do Amor presente no cristianismo primitivo. Agora, o texto tem o desafio de ser “testado” nas periferias das grandes cidades onde o neopetencostalismo e setores neoconservadores da Igreja Católica transitam num processo de “novos intelectuais orgânicos” do autoritarismo ultraliberal.
A peça é didática ao estilo das escritas nos tempos do CPC da UNE. Os atores políticos não podem estar ausentes dessa reflexão para que haja a coexistência democrática entre fé, conhecimento científico, liberdade cultural e tolerância. A política do charlatanismo está manipulando a fé das camadas populares. No campo do marxismo, Gramsci foi um estudioso sobre essa relação religião e política e testemunhou a ascensão do fascismo sob o silêncio de muitos religiosos. Essa seria uma interessante leitura para esses novos tempos além de ir ao Teatro.


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