Pela Saúde da Lua
das Flores
Para a Amiga Nísia Trindade Lima
Ricardo José de Azevedo Marinho[1]
No
último dia 14 de novembro aconteceu a edição de 2023 do dia mundial de
prevenção e controle da diabetes. No filme lançado em outubro passado Assassinos da Lua das Flores, de Martin
Scorsese a partir do livro de igual título de David Grann de 2017 e aqui em
2018, o diabetes é apresentado com destaque: a protagonista Mollie é membro da
tribo Osage baseado principalmente no condado de mesmo nome em Oklahoma na
década de 1920. Os Osage são um povo indígena dos Estados Unidos da América que
pode ser encontrado em toda a América do Norte. Os Osage geralmente morrem
antes dos 50 anos de idade de uma "doença debilitante", Mollie morreu
(como Gramsci) em 1937 devido a diabetes aos 50 anos. Aqui entre nós estamos
desde janeiro na Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em
decorrência da desassistência à população Yanomami. Se entre nós a desnutrição
é a principal mazela dos Yanomamis, os Osage e os demais indígenas
norte-americanos têm algumas das taxas mais altas de diabetes em todo o mundo.
Fruto de
uma ampla pesquisa o livro e o filme, ao lançar luz sobre o diabetes que
acomete os Osage trazem a oportunidade de observarmos as últimas duas décadas,
onde estudiosos atentos às lições do saudoso Giovanni Berlinguer quanto aos
fatores sociais e culturais que moldam as interpretações e experiências das
doenças têm voltado cada vez mais atenção para as experiências comunitárias de
diabetes, particularmente entre grupos, incluindo as populações indígenas, que
correm um risco particularmente elevado para esta condição.
A
antropóloga Margaret Pollak, pesquisadora e professora da Indiana University
NorthWest, em sua pesquisa ricamente contextualizada Diabetes in Native Chicago: An Ethnography of Identity, Community, and
Care (University of Nebraska Press, 2021)[2]
estuda o diabetes em comunidades nativas urbanas como mostra o filme de Martin
Scorsese.
Embora a
maioria dos estudos antropológicos sobre diabetes em comunidades nativas tenham
se concentrado em ambientes de reservas (como acontece com a Missão Yanomami em
curso), Pollak volta a atenção para um ambiente urbano, documentando a
experiência, o cuidado e a compreensão do diabetes nas comunidades nativas. Com
base em meses de pesquisa etnográfica com a população indígena entre 2007 e
2017, Pollak considera a relação recíproca entre cultura e saúde, dando uma
contribuição admirável.
Ela
mostra como o diabetes é determinado pelo que os membros da comunidade observam
nas experiências da doença entre familiares e amigos, e não é tão somente uma
doença física, mas social. A relação entre a cultura hominídea e biológica é
recíproca. Na comunidade indígena pesquisada descobriu-se: os elevados custos
financeiros e de tempo dos cuidados de saúde; falta de reconhecimento e/ou
resposta aos sintomas agudos aos níveis elevados de glicose; priorização de
outras responsabilidades cotidianas; desconfiança na medicina praticada; e,
visões fatalistas sobre o desenvolvimento e prognóstico da diabetes.
Para
reduzir as taxas de diabetes e suas complicações relacionadas a essas
populações nativas, ela aconselha que reformulemos nossa visão de quem são os
povos indígenas e o que a epidemia de diabetes significa nessas comunidades, e considerar
a partir daí como desenvolver as melhores soluções para o cuidado dessas populações.
Um ponto
forte que ressalta é a atenção às práticas aparentemente mundanas de cuidado
que ela encontrou durante a pesquisa de campo com a comunidade nativa, por
exemplo, de comparecer a consultas, fazer compras, cozinhar, administrar
medicamentos (um nó explorado em Assassinos
da Lua das Flores por Martin Scorsese), fazer exercícios, fazer
dietas para diabetes quando não diabético, lembrando os pacientes sobre os
alimentos, observando os sinais de hiperglicemia em outras pessoas, fornecendo
educação e aconselhamento e considerando as necessidades de dieta para eventos
comunitários maiores, e seu consistente destaque às vozes das pessoas. O
envolvimento da pesquisa com os estudos históricos e antropológicos existentes
(como no livro e no filme Assassinos da Lua das Flores) também destaca
como as perspectivas e experiências das comunidades não existem isoladamente,
convergindo de forma significativa com as comunidades indígenas de outros
lugares. Em última análise, a pesquisa oferece um estudo etnográfico matizado e
profundamente contextualizado sobre o diabetes com nativos e nativas, que será
de interesse para a cidadania que procura aprender sobre a Missão Yanomami e a relação dinâmica entre saúde, doença e os mundos
sociais e culturais em que vivemos.
23
de novembro de 2023
Um excelente texto que demonstra a necessidade das pesquisas históricas contextualizadas na realidade para servirem de embasamento para construção de políticas públicas. Uma inspiração para nossas universidades saírem da torre de marfim e irem para realidade.
ResponderExcluirUma doença letal; fiquei sabendo ontem que, um amigo perdeu as duas pernas.
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