Prefácio
para a crítica da História sem Política[1]
Vagner Gomes de
Souza
Nosso percurso
interpretativo sobre os 90 anos do livro Evolução
Politica do Brasil nos fez reconhecer um autor/militante dissidente em
relação ao mundo político e social ao qual esteve inserido até meados da década
dos anos 20 do século passado. Além disso, seria Caio Prado Júnior um “intelectual
fora de seu lugar” na circunstância da proletarização do PCB nos anos 30?
Talvez esse seja um atalho muito fácil a se trilhar nos debates acadêmicos
universitários em busca de um lugar de fala para esse autor que se fez pautar
pelo anúncio de uma interpretação materialista de nossa história.
A leitura do prefácio a
primeira edição de Evolução Politica do
Brasil é um interessante convite ao busca de como melhor se fazer uma
interpretação do tempo em um espaço territorial com uma profunda referência a realidade.
O método mais que ser materialista, na verdade é a busca de um diálogo com a
realidade através da política. Pois a negação da política se fazia pela
ideologização de uma “máquina partidária” que se dizia representar a classe
trabalhadora.
Diante desse desafio, Caio
Prado Júnior anuncia que fez um ensaio histórico ao contrário de uma obra sobre
História. Esse cuidado esclarecido no Prefácio se deve a esse compromisso do
autor com a necessidade de se ter mais referências documentadas numa obra
futura, que alguns atribuem ao clássico Formação
do Brasil Contemporâneo (1942) no contexto da grande frente antifascista
mundial[2]. Se
sua proposta é ensaística, temos a sugestão de que tenhamos um “Marc Bloch dos
trópicos” ao se propor ao debate da metodologia da história a partir de uma
preocupação com o ensino dessa ciência.
Muitos não se atentaram
até hoje quanto a relevância da leitura do prefácio de autoria de Marcel
Ollivier que está mencionado no “Prefácio” de Evolução... Todavia, assim aparece a referência:
“(...)Repetindo um
conceito do prefaciador da obra de Max Beer - História Geral do Socialismo [no Brasil ganhará uma tradução com o
título História do Socialismo e da Luta
de Classes] – a respeito da história universal, podemos também afirmar, com
relação à nossa, que ‘há muito se faz sentir a necessidade de uma história que
não seja a glorificação das classes dirigentes’. E traçar uma tal história é
tudo quanto pensei fazer”. [3]
Afinal, Marcel Ollivier
faz uma apresentação crítica do livro de Max Beer que poderia nos levar para
outras conjecturas, mas para o propósito desse artigo, o seu prefácio faz
referência a um Congresso Sindical do Ensino no qual surge o questionamento de
como se faz a História. Ou seja, “se a História deve ser ensinada sob o ponto
de vista de classe ou sob o ponto de vista da verdade.”
Em seguida, ele
acrescenta as seguintes considerações que devem ser a vinculação de Caio Prado
Júnior em seu ensaio de síntese da História do Brasil.
“(...)Esta maneira
absurda de abordar a questão só podia, evidentemente, dar lugar a respostas
absurdas. De fato: uns afirmaram que o ensino da História deve ser feito
unicamente sob o ponto de vista de classe, pretextando que só há verdades de
classe; outros, pelo contrário, disseram que ensinar a História sob um ponto de
vista de classe é adotar um modo de ver unilateral, que falseia a verdade,
porque a verdade existe independentemente das classes.
Na nossa opinião, uns e
outros estão errados. (...)”
No contexto de “proletarização”
do partido ao qual ingressava, sugerimos essa marcante postura “dissidente”
numa heterodoxa leitura do que seria o então legado do “materialismo histórico”.
Portanto, o prefácio de Evolução Política
do Brasil é um interessante exercício de ensino de como se fazer uma
política de “luta interna” costurando argumentos para propor que a Independência
de 1822 tenha sido uma Revolução que se fez acompanhar da chamada revoluções da
Maioridade (1831 – 1840) de natureza mais popular. Provavelmente, tenhamos
nesse momento uma influência de Duas
táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática para moldar a
formulação política pradiana em seu ensaio.
Portanto, a crítica ao tradicionalismo
de Rocha Pombo se acompanha ao elogio dos estudos de Joaquim Nabuco sobre a
Revolução Praieira, mesmo que num universo biográfico. E, não deixemos de nos
atentar para a primeira nota no qual faz referência inclusiva do pensamento social
de Oliveira Vianna, ou seja, liberalismo e conservadorismo poderiam se aliar
contra as forças tradicionais numa ampla frente de reflexão sobre a formação do
Brasil que de agrário se transformava em urbano industrial. Pensar nessa
amplitude da política que temos que ter como foco os próximos anos que se
avizinha com a possibilidade do capitalismo agrário diante da nova configuração
geopolítica brasileira conforme percebemos nos primeiros indícios do Censo 2022.
[1] Esse artigo é continuidade ao artigo “A Estreia de um Dissidente – 90 anos de Evolução Política do Brasil”. Você pode consultar nesse link https://votopositivo-cg.blogspot.com/2023/06/serie-estudos-caio-prado-junior-e-seu.html
[2] Ele esteve na antiga URSS entre maio e junho de 1933 num momento decisivo nos debates internos do partido local naquilo que seriam os expurgos stalinistas. O que demonstra ser o autor um pouco “testemunha da História” como foi Eric Hobsbawm e outros da mesma geração. Sobre essa viagem, Pericás, Luiz Bernardo – Caio Prado Júnior: uma biografia política. São Paulo, Boitempo, 2016. Pp. 81 – 95.
[3] Prado Júnior, Caio. Evolução Política do Brasil. Prefácio a Primeira Edição. 1933, p. 2.
Artigo fascinante! Compartilhando!
ResponderExcluirQue trabalho extraordinário, companheiro!
ResponderExcluirObrigado por partilhar!
Divulgarei esse seu trabalho com muito orgulho.
Forte abraço