As
Caravanas em Anos de Chumbo e outros
contos.
Por Julia Neves
Para iniciar, é necessário falar do começo: o
título. A escolha deste foi interessante, pois é sugerido que os contos irão
retratar, ou ao menos se passar, no período da Ditadura Militar brasileira, o
que não é o caso. A obra trás consigo uma leveza e humor, apesar de tratar como
assuntos sérios, como a invisibilidade social, preconceito de classe, racismo e
a questão das milícias, muito presente até atualmente na Cidade do Rio de
Janeiro, onde a maioria dos contos se passa.
O primeiro conto, intitulado “Meu tio”, trata
de uma família disfuncional, na qual a filha está envolvida em um caso de
incesto e prostituição pelos próprios pais. O segundo conto, “O passaporte”, é
tão atual por mostrar uma política do cancelamento e o tão debatido “hate” a
uma pessoa famosa em uma época em que esse termo nem existia. No terceiro conto
chamado “Os primos de campo”, outra família disfuncional é retratada, dessa vez
à mercê da polícia, milícia e do racismo. Além de debater o abandono paternal.
O próximo conto, “Cida”, fala sobre uma moradora de rua e trás a pauta da
diferença e preconceito de classes, além da invisibilidade social. O quinto
conto é sobre um dos bairros mais famosos do mundo e o cartão postal do Brasil:
Copacabana, aonde histórias, ou devaneios, vem à tona na qual o icônico bairro
carioca é o personagem principal. O conto “Para Clarisse, com candura”, trás o
debate de até que ponto a idolatria de um jovem por um ídolo pode chegar,
assunto também que se mostra muito atual, em uma época em que pessoas fazem loucuras
e coisas inimagináveis para conhecer alguém endeusado. O penúltimo conto
intitulado “O sítio” fala sobre as férias de um casal que recebem ajuda de um
caseiro e visitas esporádicas de urubus. Já o último conto, “Anos de Chumbo”,
passa-se no período da Ditadura Militar e mostra como um menino resolveu a
questão da convivência com seus pais.
Todos os personagens principais, apesar de
não terem nome, possuem características marcantes: o sarcasmo, a ignorância, as
angústias, os problemas mentais e éticos de cada um. São essas características,
não descritas por Chico Buarque, mas percebidas através das atitudes de cada
personagem, que nos permite ver que eles são nada mais e nada menos que
humanos. O livro retrata isso: a essência humana. Ninguém é 100% bom ou 100%
mal e os contos mostram isso.
As histórias contadas no livro são engenhosas,
com reviravoltas surpreendentes, que diz muito não somente a época em que os
contos foram escritos, mas sobre o Brasil atual. As histórias se encaixam tão
perfeitamente no momento em que vivemos que poderiam ser facilmente escritas a
2,3 anos atrás.
Afinal, será que a realidade brasileira atual
não pode ser entendida também como os “Anos de Chumbo” do século XXI? Esse momento de silêncio das autoridades sobre
a continuidade da Pandemia no mundo pode ser uma indicador para essa resposta.
Muito bacana. Me recordou um texto que publiquei no Jornal do Brasil sobre o álbum vitorioso do Grammy Latino em 2018. Parabéns e que venham outros textos.
ResponderExcluirBom texto para incentivar a leitura e compreensão do que nos cerca e nos desafia. Evoé, jovens à vista, como na música Paratodos.
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