De @velhoprotestante
para @jovemevangélico
Por Eremildo de
São Cristóvão (1)
Prezado jovem, que a
Paz esteja contigo. E é sobre a paz o tema dessa epístola. Escreveu Paulo, em
Efésios, especificamente no capítulo 6 e a partir do verso 10 podemos ver as
orientações da Palavra de como devemos viver a relação entre dois mundos. O espiritual
e o nosso mundo.
Ali, Paulo faz a famosa
descrição da vestimenta dos cristãos de acordo com o que o autor de Efésios via
dos romanos. Armadura, sandálias, espada, escudo, capacete. E, em uma poética
analogia, Paulo transforma o que seriam símbolos da violência em instrumentos
de luta espiritual. Nesse ponto, meu jovem, há uma referência há muito
esquecida por nossos irmãos que protestam pela liberdade de culto que teria
sido negada recentemente e nunca o foi, pois é cláusula pétrea da Constituição
a liberdade de culto e de religião. Cabe a você, jovem evangélico, quem sabe no
meio de livros de uma biblioteca, ensinar aos seus contemporâneos que o país
que vivemos é tão rico, complexo e diverso que, quem criou essa cláusula pétrea
foi um comunista ateu acusado de macumbeiro. Mas isso é em outra epístola, quem
sabe?
A referência esquecida
pelos cruzadistas que não estão de capacete, de sandálias, cinto, armadura ou
espada – mas com uma camisa da seleção brasileira ou empunhando cartazes de
idolatria que faria Baal ficar satisfeito – é que a luta dos cristãos não é
contra carne e sangue. Não é contra o outro. Mas é contra as potestades, os
dominadores dos mundos de trevas, aqueles que tem a maldade no mundo celestial.
Nesse ponto, Paulo é claro. Fiquemos INABALÁVEIS depois de fazermos de TUDO.
Fé, estudo, Espírito,
orações, súplicas, atenção, perseverança. Essa é a munição do autor de Efésio
que estava preso em correntes. Coragem. Não é uma arma apontada, uma defesa de
mais presídios, de uma verborragia indefensável nas redes sociais. Os espíritos
maus que nos rondam tem poderes. Mas que agem por padrões de comportamento – e
não devemos pensar só no mau que atinge o indivíduo – que estão num sistema do
MUNDO.
E nisso, há o poder da
potestade. A captura de formas de pensar e de agir que de tal forma uma pessoa
cristã, pia, sábia, pode se despersonalizar no grupo do whatsapp ou do facebook
e acreditar em remédios milagrosos semelhantes aos que Lutero tanto criticara
há pouco mais de 500 anos. Temos as relíquias vendidas no mundo virtual. Do
feijão ao voto. Do gargarejo com limão ao uso heterodoxo do ozônio. A potestade
da ignorância urge em ser abatida. E sua geração tem um compromisso com isso,
meu jovem. E além das orações, a perseverança nos estudos, no despertar
coletivo, no fortalecimento das comunidades, no esclarecimento – Faça-se a Luz!
– para aqueles que tanto necessitam para não caírem em discursos de ódio,
alimento dessa potestade. Estudo e diálogo coadunados com as armas espirituais.
Outra potestade que nos
assola é a fome. A fome derivada da negligência das autoridades políticas, da
classe empresarial e até, jovem evangélico, de algumas igrejas. Os vendilhões
do templo e os falsos profetas foram denunciados mais de uma vez por Jesus. A
trajetória pública de Jesus tem uma coincidência que nos assombra. Sua primeira
ação política – essa palavra no seu sentido mais amplo, jovem – é contra os
vendilhões do templo. Essa também será a sua última intervenção antes do
calvário. A desconfiguração do templo foi algo que incomodou o Cordeiro, que
deixou sua mansidão e se irou, mas não pecou. Por que as igrejas abertas nesse
momento pior do que ano passado? Não quero colocar os termos liberais do
comércio. Vamos pensar diferente. Que tipo de intervenção várias igrejas
poderiam dar em momentos pandêmicos, do poder das potestades da fome e da
discórdia?
Jovem evangélico, já
pensou quantas igrejas tem acesso à internet e que poderiam ajudar ou ter
ajudado os jovens da rede pública a não ter tanta perda de instrução? Ou ainda,
aquelas confecções que fazem bandeiras em épocas de eleição não poderiam ter
seu uso para máscaras com um versículo, uma cruz? E somos humanos. Não
multiplicamos os pães e nem modificamos o sabor do vinho. Mas qual tipo de
arrecadação de distribuição pública de alimentos e remédios, de álcool e água, os
vereadores e deputados cristãos fizeram com a administração pública para chegar
o pão na casa de quem precisa?
Essas potestades nos
tiraram a sensibilidade para uma média de 3 000 mortes diárias. Perdemos
realidades diversas. A manifestação da potestade da morte está aí. O desemprego
estrutural, onde auxílios não dão conta das necessidades diárias com essa alta
do custo de vida. Há uma corrupção sistêmica e que está mais ligado ao mundo
dos mercadores do que do mundo da política, jovem cristão. Há jantares ao meio
da fome pedindo por portas abertas em corações fechados.
Essas potestades nos
tiram a sensibilidade de pensar em famílias que não podem ficar em casa e não
estão porque querem nas estações de trem, do BRT, não é uma aglomeração pela
balada insensível dos jovens. Essas pessoas estão ali porque querem e precisam
da sobrevivência. Jovem evangélico, porque quem se preocupa com o STF não
questiona que menos de 30% do crédito para as pequenas e médias empresas não
chegou porque esse dinheiro público ficou no sistema financeiro? Faça-se a luz,
jovem cristão.
Vivemos em um momento
de heróis. Abraão, Noé, Raabe, Abel, Davi, Samuel são os “heróis” da Bíblia.
Mas temos um problema com a personagem heroica, meu caro jovem. O herói é amado
por um lado e tem por consequência o ódio de outro. A polarização não deixa
salvação e amor surgirem dessa forma. Nesse cenário os demônios ficam
“desamarrados”. Jovem evangélico, demonstre que não adianta amarra a potestade
no mundo celestial se a liberamos no nosso meio, que por onde age. Jesus ao
repreender Satanás que estava em Pedro mostrou que agiu no mundo do aqui, do
agora. E contra essa potestade é que somos chamados a enfrentá-la. No
fortalecimento do poder do Senhor, mas também da lucidez, da verdade cuja ciência é uma demonstração de Sua presença –
“o médico dos médicos” – e acreditar que esse deserto que atravessamos no
momento e entender que Jesus não grita nas praças, é o cordeiro, não é o mito
do herói, é o santo de Deus. Precisamos nos separar como santos da
intolerância, pagar o mal com o bem, se somos do Príncipe da Paz precisamos
ficar separados, distanciados socialmente, conscientes do amor ao próximo.
Recomendo orar e ação, teoria e prática para seguir a carreira e fazer o bom
combate com estudo, perseverança, fé, corajosamente e com ousadia podemos lutar
contra as potestades sem timidez, oração sem ação é pensamento mágico.
Lembre-se que as igrejas medievais eram locais de oração e de conhecimento, de
ação política e de generosidade.
(1) Doutor em Filosofia
com a tese “Materialismo Dialético e Histórico nas Epístolas Paulinas”. Autor
do ensaio – A Filosofia da Práxis no
Apóstolo Paulo em breve publicação pela Ed. JUERP.
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