quarta-feira, 14 de abril de 2021

EPÍSTOLA NÚMERO 1


 

De @velhoprotestante para @jovemevangélico

 

Por Eremildo de São Cristóvão (1)

 

Prezado jovem, que a Paz esteja contigo. E é sobre a paz o tema dessa epístola. Escreveu Paulo, em Efésios, especificamente no capítulo 6 e a partir do verso 10 podemos ver as orientações da Palavra de como devemos viver a relação entre dois mundos. O espiritual e o nosso mundo.

Ali, Paulo faz a famosa descrição da vestimenta dos cristãos de acordo com o que o autor de Efésios via dos romanos. Armadura, sandálias, espada, escudo, capacete. E, em uma poética analogia, Paulo transforma o que seriam símbolos da violência em instrumentos de luta espiritual. Nesse ponto, meu jovem, há uma referência há muito esquecida por nossos irmãos que protestam pela liberdade de culto que teria sido negada recentemente e nunca o foi, pois é cláusula pétrea da Constituição a liberdade de culto e de religião. Cabe a você, jovem evangélico, quem sabe no meio de livros de uma biblioteca, ensinar aos seus contemporâneos que o país que vivemos é tão rico, complexo e diverso que, quem criou essa cláusula pétrea foi um comunista ateu acusado de macumbeiro. Mas isso é em outra epístola, quem sabe?

A referência esquecida pelos cruzadistas que não estão de capacete, de sandálias, cinto, armadura ou espada – mas com uma camisa da seleção brasileira ou empunhando cartazes de idolatria que faria Baal ficar satisfeito – é que a luta dos cristãos não é contra carne e sangue. Não é contra o outro. Mas é contra as potestades, os dominadores dos mundos de trevas, aqueles que tem a maldade no mundo celestial. Nesse ponto, Paulo é claro. Fiquemos INABALÁVEIS depois de fazermos de TUDO.

Fé, estudo, Espírito, orações, súplicas, atenção, perseverança. Essa é a munição do autor de Efésio que estava preso em correntes. Coragem. Não é uma arma apontada, uma defesa de mais presídios, de uma verborragia indefensável nas redes sociais. Os espíritos maus que nos rondam tem poderes. Mas que agem por padrões de comportamento – e não devemos pensar só no mau que atinge o indivíduo – que estão num sistema do MUNDO.

E nisso, há o poder da potestade. A captura de formas de pensar e de agir que de tal forma uma pessoa cristã, pia, sábia, pode se despersonalizar no grupo do whatsapp ou do facebook e acreditar em remédios milagrosos semelhantes aos que Lutero tanto criticara há pouco mais de 500 anos. Temos as relíquias vendidas no mundo virtual. Do feijão ao voto. Do gargarejo com limão ao uso heterodoxo do ozônio. A potestade da ignorância urge em ser abatida. E sua geração tem um compromisso com isso, meu jovem. E além das orações, a perseverança nos estudos, no despertar coletivo, no fortalecimento das comunidades, no esclarecimento – Faça-se a Luz! – para aqueles que tanto necessitam para não caírem em discursos de ódio, alimento dessa potestade. Estudo e diálogo coadunados com as armas espirituais.

Outra potestade que nos assola é a fome. A fome derivada da negligência das autoridades políticas, da classe empresarial e até, jovem evangélico, de algumas igrejas. Os vendilhões do templo e os falsos profetas foram denunciados mais de uma vez por Jesus. A trajetória pública de Jesus tem uma coincidência que nos assombra. Sua primeira ação política – essa palavra no seu sentido mais amplo, jovem – é contra os vendilhões do templo. Essa também será a sua última intervenção antes do calvário. A desconfiguração do templo foi algo que incomodou o Cordeiro, que deixou sua mansidão e se irou, mas não pecou. Por que as igrejas abertas nesse momento pior do que ano passado? Não quero colocar os termos liberais do comércio. Vamos pensar diferente. Que tipo de intervenção várias igrejas poderiam dar em momentos pandêmicos, do poder das potestades da fome e da discórdia?

Jovem evangélico, já pensou quantas igrejas tem acesso à internet e que poderiam ajudar ou ter ajudado os jovens da rede pública a não ter tanta perda de instrução? Ou ainda, aquelas confecções que fazem bandeiras em épocas de eleição não poderiam ter seu uso para máscaras com um versículo, uma cruz? E somos humanos. Não multiplicamos os pães e nem modificamos o sabor do vinho. Mas qual tipo de arrecadação de distribuição pública de alimentos e remédios, de álcool e água, os vereadores e deputados cristãos fizeram com a administração pública para chegar o pão na casa de quem precisa?

Essas potestades nos tiraram a sensibilidade para uma média de 3 000 mortes diárias. Perdemos realidades diversas. A manifestação da potestade da morte está aí. O desemprego estrutural, onde auxílios não dão conta das necessidades diárias com essa alta do custo de vida. Há uma corrupção sistêmica e que está mais ligado ao mundo dos mercadores do que do mundo da política, jovem cristão. Há jantares ao meio da fome pedindo por portas abertas em corações fechados.

Essas potestades nos tiram a sensibilidade de pensar em famílias que não podem ficar em casa e não estão porque querem nas estações de trem, do BRT, não é uma aglomeração pela balada insensível dos jovens. Essas pessoas estão ali porque querem e precisam da sobrevivência. Jovem evangélico, porque quem se preocupa com o STF não questiona que menos de 30% do crédito para as pequenas e médias empresas não chegou porque esse dinheiro público ficou no sistema financeiro? Faça-se a luz, jovem cristão.

Vivemos em um momento de heróis. Abraão, Noé, Raabe, Abel, Davi, Samuel são os “heróis” da Bíblia. Mas temos um problema com a personagem heroica, meu caro jovem. O herói é amado por um lado e tem por consequência o ódio de outro. A polarização não deixa salvação e amor surgirem dessa forma. Nesse cenário os demônios ficam “desamarrados”. Jovem evangélico, demonstre que não adianta amarra a potestade no mundo celestial se a liberamos no nosso meio, que por onde age. Jesus ao repreender Satanás que estava em Pedro mostrou que agiu no mundo do aqui, do agora. E contra essa potestade é que somos chamados a enfrentá-la. No fortalecimento do poder do Senhor, mas também da lucidez, da verdade cuja  ciência é uma demonstração de Sua presença – “o médico dos médicos” – e acreditar que esse deserto que atravessamos no momento e entender que Jesus não grita nas praças, é o cordeiro, não é o mito do herói, é o santo de Deus. Precisamos nos separar como santos da intolerância, pagar o mal com o bem, se somos do Príncipe da Paz precisamos ficar separados, distanciados socialmente, conscientes do amor ao próximo. Recomendo orar e ação, teoria e prática para seguir a carreira e fazer o bom combate com estudo, perseverança, fé, corajosamente e com ousadia podemos lutar contra as potestades sem timidez, oração sem ação é pensamento mágico. Lembre-se que as igrejas medievais eram locais de oração e de conhecimento, de ação política e de generosidade.

 

(1) Doutor em Filosofia com a tese “Materialismo Dialético e Histórico nas Epístolas Paulinas”. Autor do ensaio – A Filosofia da Práxis no Apóstolo Paulo em breve publicação pela Ed. JUERP.

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