sexta-feira, 5 de junho de 2020

A POLÍTICA FORA DA QUARENTENA - NÚMERO 9


Lula e Guilherme Boulos: duas lideranças populares em tempos de luta contra o autoritarismo no Brasil
 
Repensando a História do Antifascismo lendo Guilherme Boulos

Dedicado à memória de Carlos Lessa

Por Vagner Gomes de Souza

Guilherme Boulos é uma liderança política da esquerda que se consolida no cenário político nacional a partir de uma demanda muito importante em tempos de pandemia do COVID19. O acesso à moradia digna para os trabalhadores brasileiros nos grandes centros urbanos. Sua militância em São Paulo, principal epicentro da aceleração dos casos e óbitos na atual crise sanitária, nos faz refletir sobre um dilema weberiano na política: a ética da convicção e a ética da responsabilidade.

Sua pequena intervenção nas Redes Sociais “Diálogo com Luiz Eduardo Soares” (texto que reproduzo na íntegra na forma que recebi após esse artigo) tenta superar esse dilema em relação as próximas manifestações no domingo de 7 de junho. Seria simplismo uma polarização entre o líder do MTST (“ética da convicção”) e o autor de Elite da Tropa 1 e 2 (“ética da responsabilida”) diante de argumentos que partem de um sentimento comum de oposição a ascensão do tom autoritário do Governo Federal. O diálogo político entre ambos é muito importante porque politiza a natureza do que seria fazer parte de um movimento “antifascista” para além de animar as imagens de perfis nas redes sociais.

 O debate não é novo e a história da luta contra o fascismo sempre esteve aberta a diversas polêmicas sobre a melhor tática a ser feita. Exemplos históricos não faltam como na Guerra Civil espanhola (1936 – 1939) com aqueles que atribuem a derrota para o “franquismo” ao excesso de “moderação” enquanto que outros atribuem ao excesso de “radicalização”. Contudo, não é esse o momento de fazer uma dissertação sobre as teorias políticas que sustentam essa diversidade uma vez que desejo simplesmente me reter aos fatos históricos citados no “Diálogo...” uma vez que minha formação na História me fez repensar sobre os “fatos” ali destacados.

Boulos usa o conceito de “hegemonia fascista” que se afirma nas ruas e fez referência ao “Camisas Negras” na Itália e as milícias hitleristas na Alemanha. Aparentemente, um leitor desavisado e “sem História” deduziria que não houve manifestações de rua (em contexto diversos de estar numa Pandemia). Há inúmeras manifestações antifascistas nas ruas da Itália e nas ruas da Alemanha. Elas foram derrotadas. Por quê? Nesse ponto, ficou meu incômodo como educador na área de História uma vez que sabemos que uma interpretação sempre pode levar a conclusões distintas dependendo de como a narrativa ocorre. Ao jovem que me viesse perguntar em aula sobre essas considerações, eu sugeriria a leitura do romance histórico do volume 1 de M – O filho do século de Antonio Scuratti. E deixemos Lições sobre o Fascismo de Palmiro Togliatti para um momento mais denso no debate das ideias.
A escolha de citações de fatos históricos para argumentação da política faz parte dessas minhas advertências, pois a falta de um contexto na narrativa pode deixar o “fato” circulando como as órbitas das ilusões. Vejamos as referências relativas a História do Brasil sobre temas que são muito pouco aprofundados nos livros didáticos que nossos jovens tem acesso. E faço essa observação, pois a luta antifascista deve sensibilizar a juventude. Ela é longa e árdua. Então, temos uma referência ao movimento integralista de Plínio de Salgado (um intelectual do movimento modernista e que sempre se demonstrou “homem de Partido”). Então lemos: “Poderia ter sido assim com os integralistas de Plínio Salgado no Brasil se os comunistas não o tivessem enxotado das ruas.” Essa referência deve ser relativa a Batalha da Praça da Sé em 7 de outubro de 1934. Não nos ateremos a diversidade de “paternidades” da liderança da contramanifestação uma vez que o movimento antifascista tinha três vertentes organizadas em São Paulo naquele tempo. Simplesmente questionamos os motivos de o Integralismo continuar sendo tolerado por Getúlio Vargas. A esquerda que foi praticamente massacrada nos anos 30 desde 1935 como poderia ler em Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos.

 
Manifestação Integralista na Praça Tiradentes - Curitiba - 1937
 
 
Foi o Estado Novo, inaugurado pelo autogolpe de 11 de novembro de 1937 como consequência de uma reação ao “fantasioso” Plano Cohen redigido por um capitão integralista com nome Olímpio Mourão Filho, que tirou os integralistas das ruas em 1938 após o fracassado levante de maio. Os fatos históricos lamentavelmente foram esses. Mesmo com o fim da Ação Integralista do Brasil (AIB), Plínio Salgado tentou negociar um acordo com Vargas até ser preso e exilado em 1939 para Portugal. Um detalhe que foge um pouco da temporalidade, porém sugere um curioso olhar para algumas capitais brasileiras. Nas eleições presidenciais de 1955, Salgado foi último colado no total de votos, mas foi o mais votado em Curitiba. Uma interessante e curiosa coincidência na história ziguezagueante da política do Centro Sul.

Em seguida, há duas referências às tentativas de atentados feitas pela chamada “linha dura” dos setores militares. Em primeiro lugar, o caso PARA SAR em 1968 que seria o planejamento de uma onda de atentado simultâneo que incluiria a explosão do gasômetro de São Cristóvão. Em seguida, o atentado do Riocentro (1981) que vitimou um Capitão e um Sargento que usava o codinome de “Agente Wagner” na continuidade de uma escalada de atentados que ocorriam naquele período. As lembranças dessas “provocações” da extrema-direita na história recente do país ficaram soltas diante da falta do contexto histórico de como as forças democráticas reagiram em momentos diversificados e com nuvens da censura e autocensura dos meios de comunicação. Há de comum nessas provocações, ressaltadas os muitos detalhes conjunturais, o objetivo de impedir a política de Frente Democrática. Portanto, esse é ponto em que a estratégia política se reforça na ampliação da frente antifascista para sufocar as aventuras extremistas. Seria incorreto insinuar que fazer parte do MDB na Ditadura Militar fosse inibir as manifestações nas ruas. Elas ressurgiram no final dos anos 70 graças a vitoriosa política de frente nas eleições de 1974. Contudo, esse é outro ponto para repensar em outro momento, pois a lição da História se alonga e intelectuais como o Carlos Lessa sempre nos ensinaram a nunca recuar na frente ampla na luta pela democracia. Por isso, esse artigo é dedicado em sua memória.

Banca de Jornal incendiada por extremistas de direita
 

ABAIXO o texto de Guilherme Boulos que foi analisado no artigo
Boulos: DIÁLOGO COM LUIZ EDUARDO SOARES - Tenho muito respeito por Luiz Eduardo, um intelectual de primeira linha e uma figura humana extraordinária. Como ele, tenho grande preocupação com a ascensão do fascismo bolsonarista e não considero as liberdades democráticas simples formalidades. Foram conquistadas com sangue e luta de toda uma geração de brasileiros. Mas discordo em relação às manifestações de domingo. O que vimos na semana passada, puxado por torcedores organizados, foi um passo fundamental na resistência ao fascismo: a demonstração de que a rua não é deles. Não basta sermos maioria na sociedade. Não basta assinarmos manifestos unitários, que julgo importantes, aliás subscrevi todos. Mas a hegemonia fascista, mesmo minoritária, se afirma nas ruas. Foi assim com os Camisas Negras de Mussolini e com as milícias hitleristas. Poderia ter sido assim com os integralistas de Plinio Salgado no Brasil se os comunistas não os tivessem enxotado das ruas. Se normalizamos gente defendendo AI-5 e agredindo opositores, jornalistas e enfermeiras em praça pública, daqui a pouco não teremos condições de dar as caras. Sei que a questão não é simples. Além do mais, estamos em meio a uma pandemia. Mas na conversa entre os organizadores da manifestação do próximo domingo, ao menos em São Paulo, haverá um enorme esforço para manter o distanciamento e as precauções sanitárias. O Povo Sem Medo organizou uma brigada de saúde para isso com centenas de voluntários. O MTST vai distribuir 4 mil máscaras na Avenida Paulista, feitas pelas cooperativas de costureiras do Movimento. A orientação da organização do ato será uma manifestação pacífica e de inibir infiltrados. Claro que sempre há um risco. Devemos fazer de tudo para minimizá-lo. Mas, convenhamos, o outro lado não precisa de pretextos nossos para endurecer. Se ficarmos parados tampouco temos qualquer garantia. Eles sempre produziram os próprios pretextos. Lembremos do Rio Centro, em 1981, quando oficiais do Exército contra a democratização iriam explodir bombas no festival do Dia do Trabalhador para culpar a esquerda. Não funcionou por imperícia. Ou do plano de explodir o gasômetro de São Cristovão, em 1968, em nome dos comunistas, só evitado pela denúncia de um oficial da Aeronáutica. É a velha tática que os nazistas inauguraram no incêndio do Reischtag. Bolsonaro avança na escalada autoritária. Sei dos riscos, mas não creio que se deixarmos as ruas para eles estaremos impedindo essa marcha. Por isso, o MTST e o Povo Sem Medo estarão nas ruas no domingo. E eu também estarei lá.


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