terça-feira, 12 de novembro de 2019

SÉRIE ESTUDOS - RESENHA DO LIVRO ESSA GENTE - CHICO BUARQUE


Essa Classe Média


Por Vagner Gomes de Souza

 

“Tem dias que a gente se sente

Como quem partiu ou morreu

A gente estancou de repente

Ou foi o mundo então que cresceu (...)”

 

Roda Viva (1967) – Chico Buarque

 

O livro Essa Gente acaba de chegar as livrarias físicas e virtuais e já promete muitas reflexões. Trata-se do sexto romance do também compositor Chico Buarque (agraciado pelo Prêmio Camões de 2019). Em suas páginas, o leitor será cativado pela forma suave no qual terá condições de analisar os dilemas de nossa atualidade. Esse é o livro que o filho se espelha no pai Sérgio Buarque de Holanda. Ele faz uma ficção com inspiração sociológica através da leitura da cordialidade brasileira no qual os personagens da classe média carioca expõem suas faces diante da “ralé” brasileira.

Seria um livro-manifesto que espelha como a emergência dos valores da ultradireita está com capilaridade no cenário carioca. A Zona Sul do voto de opinião deixa cair sua máscara preconceituosa. A trajetória do personagem Manuel Duarte permite a exposição das mágoas e dos ressentimentos da classe média. O fantasma do fascismo está ao redor Duarte. No fio da navalha que expõe os perigos das manifestações do voto de fúria antipolitizado.

Manuel Duarte circula tanto nas festas da elite econômica do agronegócio quanto nas moradias das classes subalternas. Ele é um escritor em crise criatividade como se fosse os atores do campo democrático. Um personagem andarilho nas ruas da Zona Sul que articula as tramas/dramas de uma classe média contaminada pelo moralismo. Separações na vida particular e decadência financeira numa sociedade em transformação transmite a angústia do romance sobre nossa época. Como viver nesse país através dos livros? Portanto, o personagem secundário é uma arma.

Essa Gente pode ser lida como um suspense que nos motiva a antever possíveis perigos para a Democracia no Brasil. A atualidade do livro apresenta as transformações na religiosidade nos morros cariocas. O candomblé sendo suplantado pelo neopentecostalismo. Uma ideia acompanhada pelo insight de uma trama paralela policial sobre a castração de jovens da periferia feitas por um Pastor a serviço da cultura. Nesse momento, Chico Buarque se assemelha ao escritor nova-iorquino Paul Auster. O Brooklyn surge nos contornos do morro do Vidigal. Uma narrativa de absurdos que revela o quanto é um absurdo a nossa política contemporânea. Os voos rasantes dos helicópteros e uma sociedade entregue a depressão.

Nesse romance, o autor sugere o quanto a classe média está doente com seus endividamentos e na busca pela ascensão social. Depois de abrigar negros fugitivos no século XIX, parece que o Leblon se espelha no Sul segregacionista norte-americano nos dias atuais. Na verdade, Adriana Calcanhoto escreveu “e o inverno no Leblon é quase glacial”. Estamos distantes de uma “primavera” carioca. Contudo, há momentos de poesia e resistência democrática por parte de outros personagens. Portanto, temos um livro que resgata o compositor das músicas de protesto dos “anos de Chumbo”. Essa Gente é o romance que traz a essência da música Roda Viva do compositor.

4 comentários:

  1. Vocês, esquerdistas, veem o homem como um mero produto social; na ideologia de vocês não há espaço para a paixão nem para a experiência interior. A bondade e a justiça são tratadas pela esquerda como moralismo, e a vontade de enriquecer é vista como uma busca doentia pela ascensão social. Um Hamlet, um Dom Quixote, um Ivan Ilitch jamais poderia ter saído da pena de um esquerdista, pois todos esses personagens eram esmagados pelo coração, e não pelo neoliberalismo ou pelo opressor do momento. Classe!...O que é classe? Onde está a minha classe, que eu não a vejo?...Vejo, isto sim, um jovem que deseja ser escritor e casar-se com a mulher que ama, um jovem triste, tímido até, mas não vejo a minha classe. Sou apenas vadio e pedinte.
    Os romances do Chico Buarque são datados. Falam do homem social, se limitam a dizer o que um homem tem em comum com outros homens do mesmo círculo de interesses, mas nada nos contam de sua dor, que é o que nos torna seres responsáveis e conscientes (como disse Ortega y Gasset: "Viver é sentir-se perdido"). Pergunte a uma mãe que perdeu seu filho se a dor dela tem classe; pergunte a um escritor não realizado se a sua frustração tem classe.
    A única classe a qual todos pertencemos é a classe dos que não sabem onde vão parar. Mas essa é a classe dos seres humanos comuns, e não dos semideuses marxistas, que sabem que o destino final do homem, a sua Terra Prometida, é o Paraíso terrestre profetizado por Marx, Engels, Lenin...

    “O verme está no coração do homem. Lá que é preciso procurá-lo” (Albert Camus, O Mito de Sísifo).

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  2. O comentário do Douglas é divertido, se não, curioso. Primeiro, a generalização de "vocês", esquerdistas. Talvez não saiba, mas o termo esquerdista foi cunhado por Lenin numa crítica a grupos sectários e radicais do movimento da esquerda, a ponto de dizer que eram doentes infantis. Segundo, Quixote e Hamlet realmente não seriam de esquerda por conta do anacronismo. O termo só entrou no vocabulário político europeu no final do século XVIII. Talvez o Douglas não saiba que Shakespeare era o autor favorito de Marx. E que a esquerda mundo afora adora Cervantes. Terceiro, os termos da moral na política nunca foram da esquerda, mas do campo conservador, basta ele ler Maquiavel x Hobbes. Quarto, Tolstói era a favor da revolução socialista feita pelos camponeses russos, seria bom o Douglas ler acerca do final da vida do gênio russo, adorado pelo Lenin. Quinto, se o Douglas, o vadio, quer uma bússola acerca da classe social, é só ler um livro de 1848. Ele estaria, enquanto vadio, no lupemproletariado. Agora, se quer saber o que um dos autores desse livro pensa sobre o lupemproletariado, sugiro a leitura de "O 18 brumário de Luís Bonaparte". Sexto, Douglas tem todo o direito a qualquer interpretação, agora, dizer que não há um personagem esmagado pelo coração nas obras de Chico é justamente NÃO TER LIDO nenhum livro, pois o esmagameto da MEMÓRIA atinge o coração em Benjamin, no protagonista de Leite Derramado e nos personagens de Gota d'água!!! Sendo que nesse, é inspirado em Medeia, clássico da tragédia grega. A frustração do jovem escritor pode ser lida em Goethe. A solução do jovem Werner pode, talvez, servir de inspiração. Por fim, tal qual o apóstolo Paulo, nunca Marx e Engels disseram que o Paraíso terrestre existiria. E que não haveria provações sobre os seres humanos. Agora, quem cita Gasset e Camus mostra que sabe, nem que seja por inspiração a qual grupo pertence.

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  3. E que não haveria provações sobre os seres humanos. Correção: que HAVERIA provações.

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