sexta-feira, 22 de novembro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - LEITORES: AINDA ESTAMOS AQUI

A revanche das bibliotecárias

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]


Gauld, Tom. A vingança das bibliotecas. Tradução de Érico Assis. São Paulo: Todavia, 2024. 96 págs.

 

Em A vingança das bibliotecas, Tom Gauld, conhecido por sua capacidade de fundir sagacidade literária com simplicidade visual, nos convida a refletir sobre o poder das histórias em quadrinhos enquanto nos mergulha com humor na celebração da paixão pela leitura de uma forma única e memorável. Uma coleção de tiras onde as bibliotecas, leitoras, leitores, escritoras, escritores, editoras, editores, críticas, críticos, livreiras, livreiros, bibliotecários, bibliotecárias são transformados em palcos para risos e inteligência.

Importa saber que as tiras que compõem esta obra foram originalmente publicadas para o grande jornal The Guardian, sendo posteriormente compiladas num único volume pela Drawn and Quarterly para as norte-americanas e norte-americanos em outubro de 2022. Esta edição recebeu os aplausos da crítica e do público, a ponto de ganhar o Prêmio Eisner na categoria de "Melhor Publicação de Humor" na edição de 2023. Para nossa alegria, a Todavia decidiu apostar na sua publicação para as brasileiras e brasileiras num exercício de grande talento editorial.

Primeiro, vamos falar um pouco sobre o autor. Nascido em 1976 em Aberdeen, Escócia, Tom Gauld deixou uma marca distinta no mundo dos quadrinhos com sua abordagem única e inteligência afiada. Durante sua formação, Gauld mergulhou no mundo das artes gráficas, formando-se em Ilustração na Duncan University of Jordanstone em Dundee. Desde então, conquistou a cena cômica com obras que combinam humor sutil e observações interessantes.

O estilo de Gauld, caracterizado por traços limpos e personagens minimalistas, encontrou um lar nas páginas de publicações como The Guardian, The New Yorker e The New York Times. Sua capacidade de destilar ideias complexas em vinhetas aparentemente simples lhe rendeu o status de mestre da comunicação visual para muitos leitores.

Além de suas colaborações com jornais e revistas importantes, Gauld publicou vários livros, consolidando seu status como um criador ativo. Entre suas obras mais notáveis estão Golias (2019), Guarda Lunar (2021) e, claro, A vingança das bibliotecas, onde demonstra seu amor pela literatura e sua capacidade de misturar o cômico com o reflexivo.

Em A vingança das bibliotecas encontraremos uma coleção de histórias em quadrinhos que gira em torno das experiências compartilhadas em torno da leitura e da criação da escrita. Estamos, portanto, e em primeiro lugar, diante de uma obra dirigida de forma muito específica a um público formado. O humor que aqui nos é apresentado é muito específico e dificilmente funcionará com um público mais geral. Estamos falando de piadas baseadas essencialmente em um de dois princípios: a das referências cultas daquelas que fazem você dar uma breve risada, e das experiências compartilhadas muito específicas.

O exercício de percorrer suas páginas com o vagar necessário, permite-nos saborear cada tira em momentos soltos que foram distribuídos ao longo do livro. E o que é essa experiência em geral? Como um profissional que lê e escreve todos os dias, essas tiras revelam aquilo que está escondido por trás dessa labuta nos oferecendo um significado muito mais relevante do que muitos poderiam esperar. Tirado das entranhas dos estudos das gerações, o livro é um conjunto de representações de uma busca planetária para encontrar as conexões com as quais combateremos o crescente processo de isolamento e distanciamento na sociedade.

Ler A vingança das bibliotecas pode nos dar algo que muitas vezes é muito mais difícil de encontrar: aquele sentimento de conexão verdadeira, de compreensão mútua, de um piscar, de um cumprimento capaz de celebrar um vínculo. A leitura que Tom Gauld propõe nesta obra merece ser considerada como necessária para a sociedade que almeja a boa companhia como se percebe na premiada com o Nobel Nadine Gordimer.

E necessário porque tanto a leitura quanto a escrita, apesar de serem habilidades que devem ser compartilhadas, também são necessariamente solitárias durante grande parte do processo. A maior parte da experiência de leitoras e leitores e escritoras e escritores, no final das contas, está semiconfinada aos seus próprios pensamentos. Essa realidade pode nos fazer sentir isolados, de uma forma diferente, mas semelhante há como o mundo ainda se ressente durante o auge da pandemia. É por esse motivo, entre outros motivos, que Gauld coloca tantas de suas tiras no contexto da difícil dialética proximidade-distanciamento que todos nós experimentamos. Muitos paralelos podem ser traçados entre essa solidão física e a solidão psicológica.

A vingança das bibliotecas, em essência, visa abordar esse sentimento com um recheio de humor. É um humor muito específico, que não é de fácil compreensão imediata para todos, mas capaz de cumprir o propósito de fazer com que as leitoras e leitores que se abracem com seu tom se sintam muito abraçados. Como uma voz gentil que sussurra para você: "não, você não é a única ou único esquisito com quem isso acontece". E esse sentimento, além da eficácia das inúmeras tonalidades cômicas, já é bastante gratificante por si só.

 

21 de novembro de 2024





[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - OTHON BASTOS EM "EU NÃO ME ENTREGO, NÃO"

O som e a fúria de Othon Bastos

Pablo Spinelli[1]

          No momento vivemos tempos explosivos, desafios à democracia, a elegia à ignorância, ao sectarismo. Bombas explodem na capital federal, central do Brasil, dias depois do lançamento do filme sobre a morte e a morte de Rubens Paiva. Donald Trump é eleito. Dentre outros motivos, por falta de história e por murros em pontas de facas equivocadas – a mais especial, o papel coadjuvante do tema da paz pelos democratas e pelos analistas políticos. O arauto da paz foi Trump. Uma velha pergunta ressurge: O que fazer?

          Eis que surgem lições, sugestões e um sopro de esperança com a peça “Não me entrego, não!”, de autoria de Flávio Marinho, a partir da biografia de Othon Bastos, que aos 91 anos, mostra seu amor ao teatro, à profissão de ator, sem firulas quanto à dureza do ofício de interpretar tantos que pode se perder em si mesmo, uma dialética entre o ego e o outro, numa conjuntura da supremacia do primeiro sobre o segundo.

          A peça com cerca de 90 minutos de duração é um tour de force de um ator que é um dos rostos mais marcantes no teatro, no cinema e na televisão. Bastos, com uma dicção perfeita, com um tom de voz e uso do corpo de forma quase sobrenaturais – segundo ele, esse mundo é que vaticinou sua carreira – tem o auxílio da “memória”, interpretada por Juliana Medela, que tem duplo papel: auxiliar com observações o autor nos seus 70 anos de profissão e ajudar o público mais jovem com o “momento Google” para ilustrar personagens que surgem na narrativa daquele que é considerado o maior ator vivo brasileiro.

          A narrativa de Bastos é muitas vezes atravessada pela História do Brasil, país que tanto ama criticamente desde seu início titubeante como colega de Walter Clark, um dos responsáveis pela Globo ser o que é com José Bonifácio Sobrinho, o Boni; passando pela formação na escola de Paschoal Carlos Magno (a referência de Agildo Ribeiro no personagem da “múmia paralítica” louco pela Bruna Lombardi) e em Londres, para uma formação shakespearena mais ou menos bem sucedida. Sua trajetória se firma no cinema com Alex Viany, cineasta comunista que o colocou no filme-denúncia “Sol sobre lama” (1963) e, principalmente no filme de faroeste à brasileira, “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), vivendo o cangaceiro Corisco, autor da frase que intitula a peça. Nesse momento, Othon é a síntese da formação do Brasil. Na crítica à sua escolha para esse papel por conta do seu físico, ele vira aos olhos um Quasímodo hercúleo, um baiano atarracado que vira um gigante de 2 metros e que pode lutar de igual pra igual na faca com Antonio das Mortes.

          Othon fala de seu casamento de mais de 60 anos, de sua participação em outros filmes, como a sua soberba interpretação em “São Bernardo”, baseado no livro de Graciliano Ramos; mas o que salta é seu amor pela palavra. Ao eleger o ano de 1973 como o ano mais especial de sua carreira ele nos traz um trecho de Um grito parado no ar, de Gianfrancesco Guarnieri. É o momento que o ator rejuvenesce 50 anos e parece que fala com os colegas de elenco numa atuação brechtiana.  O ápice emocional é a lista de nomes citados pela memória, como Fernando Peixoto, Guarnieri, Paulo José que o dirigiu em Murro em ponta de faca, texto que antecede sua fantástica reencenação de seu personagem arrivista em O Jardim das Cerejeiras, de Tchecov.

          Esse murro – no espectador por mostrar a força criativa do teatro e desse extraordinário ator; no governo que tem um Ministério da Cultura inerte e preso às amarras conceituais do que é o Brasil; no mercado, que não patrocina monólogo que não seja a comédia fácil e, na educação, que mostra a dificuldade do aprendizado da memória, da cultura e do patrimônio nacional, esse último representado por Bastos, aquele que viveu Tancredo Neves no cinema e divaga sobre o Brasil que poderia ter sido e do Brasil que ainda pode ser. Essa peça é um ato de resistência do teatro e traz à tona a importância pecebista no que houve de mais pujante e contundente na cultura brasileira. Othon conduz os nomes dos mortos à cena para lembrar que estarão sempre presentes e à mão para os mais jovens construírem uma retomada da cultura nacional popular democrática, tudo com otimismo da leveza e pessimismo da crítica.

Corram para ver Othon Bastos, esse Quasímodo hercúleo tem muito a nos dizer e a nos ensinar![2]



[1] Doutorando em Ciência  Política pela UNIRIO e professor de História da Educação Básica em Saquarema e no Rio de Janeiro.

[2] Não me entrego, não. Teatro Vanucci. Shopping da Gávea, terceiro andar. Sextas, sábados e domingos até 1 de dezembro.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 067 - AS LÁGRIMAS A PARTIR DE TOCQUEVILLE


Os povos sempre se ressentem de suas origens

 

Ricardo José de Azevedo Marinho[1]

 

 

O saudoso cientista político norte-americano Ronald Inglehart (1934-2021) não se enganou quando chamou o século XXI da era das reações, da desconfiança (como também aponta Pierre Rosanvallon), da dissolução dos laços e tecidos sociais que são, juntamente com o respeito pelas regras, tanto por parte dos cidadãos como por aqueles que exercem o poder, a base da coexistência democrática. A vitória clara, embora não esmagadora, de Donald Trump nas eleições norte-americanas é a confirmação disso.

O que torna a nação mais avançada do mundo em termos econômicos, com a democracia moderna mais antiga do planeta, imperfeita desde a sua criação até hoje, na vanguarda da ciência e da tecnologia, das artes e da cultura popular, polo de atração para aqueles que sonham em mudar seus destinos pessoais, faz seus cidadãos votar em Donald Trump? É um enigma difícil de desvendar pela razão.

É claro que o mundo atravessa momentos difíceis, o poder dos EUA está sendo desafiado por enormes nações-continentes que abandonaram o seu atraso para avançar com extrema rapidez, como a China e a Índia, cada uma à sua maneira. A Rússia, na forma de uma postura combativa anacrônica, não se resigna ao lugar que lhe é atribuído pela sua situação atual depois de ter sido uma superpotência, e a Europa fica enfraquecida como sua aliada tradicional. Há duas guerras acontecendo no mundo e elas podem se espalhar.

É também verdade que a crise do sistema democrático na grande transição da sociedade moderna para a sociedade hipermoderna enfraqueceu a legitimidade dos EUA como uma grande potência devido à magnitude das suas divisões internas. Mas alguém poderá perguntar-se por que razão, face à terrível crise da década de 1930 no século passado e à ascensão do fascismo e do nazismo, quando os seus alicerces foram abalados, foi Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) quem foi ungido pelo povo para reconfigurar a democracia e sair do pântano econômico, ajudando a salvar a humanidade do mal absoluto juntamente com os seus aliados através de um esforço de solidariedade e respeito pela liberdade, e hoje quando a dimensão de tal catástrofe não existe, se vota numa figura que encarna o seu oposto.

Resposta difícil, a escolha por Donald Trump pois foi muito mais do que as escolhas entre o que se ofertou nas geografias políticas nas eleições planetárias de 2024 como direitas e centro-esquerdas, entre os republicanismos clássicos e democratas, ou entre diferentes visões sobre os desafios do desenvolvimento.

Foi uma escolha por um sentimento, nacionalista e supremacista, que abomina os pluralismos. Esse triunfo foi movido pelo medo como indicou o filosofo coreano quase crioulo alemão Byung-Chul Han. A democracia é mais fraca no mundo hoje.

Os EUA têm muitos problemas, tal como o resto do mundo, a diferença é que os seus problemas têm uma influência decisiva na humanidade. A decisão que tomaram afetará a todos nós. O absurdo é que esta decisão não se baseia na realidade, mas na percepção exagerada, histérica e manipulada dessa realidade. O governo de Joe Biden não foi um mau governo, não só executou medidas sociais importantes, como corrigiu o péssimo desempenho do próprio Trump em relação à pandemia e fez o PIB crescer além das expectativas. Mas isto contou menos para as classes norte-americanas do que a inflação e o aumento do custo de vida, que, juntamente com o medo da imigração ilegal baseado na identidade e no identitarismo, foi usado por Trump de uma forma caricatural, mas eficaz.

Surgirão estudos e análises com mais elementos científicos que analisarão por que as coisas aconteceram dessa maneira. Por que um homem que criou um governo medíocre como Trump, que isolou os EUA, cuja ficha criminal faz parte de sua biografia, com posições de extrema direita e admirador de déspotas, foi escolhido para liderar a primeira potência mundial nos anos O que as eleitoras e eleitores estão vendo? Será a herança histórica institucional dos Estados Unidos suficiente para limitá-la e contê-la? Como na clássica frase de Alexis de Tocqueville (1805-1859): Os povos sempre se ressentem de suas origens. Estas são questões ainda sem resposta.

E como o mesmo Tocqueville observou nos primeiros anos do século XIX: “É mais fácil para o mundo aceitar uma mentira simples do que uma verdade complexa.”

É nesta área que os apoiantes da democracia nos EUA e no planeta terão de trabalhar arduamente. Em tempos de mudanças e alterações climáticas, de Organização Mundial do Comércio se preparando frente as pandemias, transferências de tecnologias, reforços do multilateralismo eficiente e promoção da democracia, haverá mais lágrimas do que contentamento.

 

10 de novembro de 2024



[1] Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A DOCE POLÍTICA NO CINEMA - NÚMERO 23 - AINDA ESTOU AQUI: LITERATURA, CINEMA E OSCAR?


O Sorriso de Eunice Paiva

Por Giovana de Lima Freire [1]

 

Eu cheguei de muito longe

E a viagem foi tão longa

E na minha caminhada

Obstáculos na estrada, mas enfim aqui estou

 

Mas estou envergonhado

Com as coisas que eu vi

Mas não vou ficar calado

No conforto acomodado como tantos por aí (...)


"É preciso dar um Jeito, meu amigo" - Erasmo Carlos - 1971

 

Com a trilha sonora de Erasmo Carlos [2], temos o sucesso de bilheteria “Ainda estou aqui” que estreou no Brasil em 07 de novembro de 2024, o longa "já premiado internacionalmente pelo Festival de Veneza de 2024, o filme retrata a história por trás do livro publicado por Marcelo Rubens Paiva, Ainda estou aqui, (2015) [3]; autor do livro “Feliz Ano Velho (1982)” [4].

No Rio de Janeiro de 1970 sob a sombra da ditadura militar, acompanhamos a história de Eunice Paiva, uma mulher que luta para superar um desaparecimento político, definido pelo próprio filme como “morrer em guerra”. Diante da dor e da incerteza, Eunice se questiona: “Você pode publicar isso?”

Ao longo da trama, percebemos como o regime autoritário permeia o cotidiano de Marcelo, ainda criança. A presença constante de helicópteros, comboios militares e até mesmo uma violenta batida policial, retratada em uma das primeiras cenas, demonstra a brutalidade da ditadura. A pergunta que fica é: “até que ponto o filme consegue retratar a complexidade desse período histórico?" Quando Rubens Paiva é levado ouvimos um: “posso ir com ele?” E a seguinte resposta: “seu marido já volta pra casa”. Infelizmente para a tristeza da família Paiva ele nunca mais voltou.

Tanto no livro quanto no filme o enredo nos leva a se apaixonar pela força da falecida Eunice Paiva (1929-2018) a mulher que nos inspira sorrisos mesmo após os 12 dias de seu interrogatório nos anos de chumbo [5], mas a partir de então, torna-se uma advogada, ativista e símbolo da luta contra a ditadura militar no Brasil. Sua luta contra o sistema motivada pelo desaparecimento de seu marido Rubens Beyrodt Paiva, torturado e morto, sendo ela confirmada 40 anos depois pela “comissão da verdade” [6].

“Não se encontra no lugar designado” a frase escrita por Eunice em um bloco de notas, cena de 5 segundos que transmite a exata dúvida que os familiares dos mortos da ditadura tinham sobre o paradeiro de seus familiares. Uma foto icônica, um sorriso, ou melhor, o pedido da matriarca por sorrisos mesmo em tempos de luto [7]. Foto na Revista manchete ou como foi dito no filme pela atriz que interpretou a filha mais velha de Rubens e Eunice “porque vamos falar com aquela revista vendida”.

Um corte temporal de 25 anos, para o ano de 1996, finalmente é entregue a certidão de óbito e Eunice interpretada por Fernanda Torres, a personagem em uma entrevista dá a seguinte resposta que me chamou muita a atenção “Não, eu acho que seria preciso indenizar as famílias, e fazer o mais importante; que é esclarecer e julgar todos os culpados pelos crimes cometidos durante a ditadura, pois, caso contrário, nada impede que esses crimes continuem sendo praticados impunemente.” Frase que para nós Brasileiros deveria ser utilizada em diversos aspectos já que a maioria dos crimes são cometidos pela certeza da impunidade.

Novo corte agora para São Paulo 2014 com uma das cenas que melhor retratou a situação real de Eunice que já lutava contra o Mal de Alzheimer, está um almoço de família onde são ditas palavras avulsas que remetem a momentos ou fotografias que aparecem no decorrer do filme: “Manchete, Praia, Despedida, Brasília e Xarete” palavras que fará muito sendo aos que leram a obra literária e assistiram o longa e o questionamento “que dia é feriado?” se referindo ao dia do desaparecimento de Rubens.

Em suma, e com a protagonista no atual momento vivida por Fernanda Montenegro imóvel e na frente de um televisor com a seguinte reportagem que dizia: "duzentos e trinta locais onde esses crimes foram cometidos, como quartéis das forças armadas, além de áreas usadas para ocultação de cadáveres, como a restinga da Marambaia no Rio de Janeiro; algumas dessas vítimas tornaram se ícones da resistência contras os abusos do regime militar, como o jornalista Vladimir Herzog [8], o estudante Stuart Angel [9], e o Deputado Rubens Paiva. O corpo de Rubens Paiva assim como o de pelo menos 200 corpos nunca foi localizado!” cena de 53 segundos cronometrados de silêncio ininterrupto, próxima e a última cena uma nova foto de família e novamente um pedido ecoa dessa vez não pela matriarca já debilitada mas por seus filhos “todos sorrindo”.

 

[1] Graduanda em História pela UFRRJ e graduando em Pedagogia pela UCAM.

[2] É preciso dar um Jeito, meu amigo- Erasmo Carlos (1971)

 [3] PAIVA, Marcelo Rubens. Ainda Estou Aqui. 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. , referência bibliográfica do livro que inspirou o filme.

 [4] PAIVA, Marcelo Rubens. Feliz Ano Velho. 35. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. 232 p , referência bibliográfica do livro que retrata o acidente que deixou o autor tetraplégico.

[5] Os anos de chumbo foram o período mais repressivo da ditadura militar no Brasil, estendendo-se basicamente do fim de 1968, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro daquele ano, até o final do Governo Médici, em março de 1974. Alguns, reservam a expressão "anos de chumbo" especificamente para o governo Médici.

[6] https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade

[7]https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/11/07/eles-ainda-estao-aqui-filhos-de-eunice-e-rubens-paiva-falam-sobre-o-filme-que-retrata-a-luta-da-mae-contra-a-ditadura.ghtml

[8] https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/vladimir-herzog/

[9] https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/stuart-edgar-angel-jones/

SÉRIE ESTUDOS - AS FÁBULAS E AS CIDADES

A fábula como ilustração da casa comum e o legado para os que virão

 

Marcio Junior[1]

 

Pedrinho sonhou. Sonhou que estava sentado numa pedra, com os olhos nos carneiros do rebanho. Súbito, foram se sumindo os carneiros e apareceu uma estrada que ia perder-se nas montanhas azuis. Um vulto vinha vindo pela estrada. Um homem... Um velho de andar trôpego...

O velho chegou e sentou-se na pedra.

− É daqui? – Perguntou Pedrinho.

− Sou de todos os lugares e todos os tempos. Sou a história.

Pedrinho encarou-o, surpreso. O velho não era mais o velho, sim uma deidade semelhante a certa figura feminina que ele vira no Partenão, com a cara de musa.

 

Monteiro Lobato. O Minotauro. P. 106.

 

Não é preciso procura exaustiva para percebermos que estamos lendo mal; a Progress in International Reading Literacy Study (Estudo Internacional de Progresso em Leitura) - PIRLS 2021 demonstrou que há uma dificuldade das nossas crianças em ler e interpretar textos, sejam eles informativos ou literários, e que essa dificuldade atinge não só um grande número de crianças, sendo apenas um pequeno número delas as que conseguem ler, no 4° ano do Ensino Fundamental, de forma minimamente satisfatória e que vai proporcionar base para aprender, ao longo do tempo, por meio de textos.

Como ninguém nasce sabendo, a sugestão óbvia é que os problemas que nos levaram a esse quadro estão mais nos que são responsáveis por ensiná-las do que nas próprias crianças. Isso significa que a solução é complexa, difícil e demorada, pois demanda que pais, professores, governos e não só ajam em favor da necessária refundação educacional. Será que somente a recondução das crianças à escola, nem sempre feita, após o fim da emergência de saúde pública da COVID-19 foi suficiente? E os anos "perdidos"?

Essa breve exposição do atual quadro educacional mostra que tanto o problema quanto as suas consequências só são possíveis de compreender, mensurar e tentar resolver na medida em que ele é posto como de fato é: em vários aspectos muito mais longo do que o presente e muito mais amplo do que o Brasil, que, mesmo dotado de particularidades tanto vantajosas quanto desvantajosas, apresenta sintomas que são, além de globais, também uma demonstração do esgotamento do contrato social da educação cuja pedagogia filosófica se apoiava na experiência das luzes do século XVIII.

É nesse contexto (assim como também com a entrada em cartaz de Gladiador 2) que Megalópolis, filme independente do octogenário Francis Ford Coppola, pai, avô e bisavô, nos brinda com a fábula novaiorquina/romana da casa comum. O gênero literário, transposto para o audiovisual de forma quase artesanal, permite a liberdade de nomear ludicamente seus personagens como alguns personagens da antiguidade, falando a partir de um país já nascido republicano, mas sem deixar de beber de experiências que conheceram a monarquia, como nós.

Nessa Nova Roma em cuja luxúria é, também, meio da juventude ganhar a vida como se Vênus fosse exposta no Onlyfans, o mal-estar civilizacional está instalado sem a capacidade das forças responderem à altura, na medida em que pouco conseguem unir, entre muitas coisas, a capacidade responsiva da boa ciência, de boa leitura do mundo, para os problemas contemporâneos, com a institucionalidade política republicana e democrática "embebida" de interesses diversos.

Assim, não deixa de ser um convite para a reflexão, daqui desta terra, tendo o novo filme como um insight lobatiano que convoca o Tempo de Nero a partir de uma chave interpretativa mais próxima d'O Presidente Negro, tornando o herói, apesar de descrito como um arquiteto vencedor do Nobel de Física, também um historiador que tem diálogo fértil com o iberismo de um Padre Antônio Vieira e a sua História do Futuro.

Robert Darnton, ao revisitar o século XVIII, reparou que a novidade dos intelectuais deste tempo estava na possibilidade de discutir e impor um programa com maior grau de autonomia, o que diferenciou os philosophers e seu engagement dos intelectuais anteriores, tornando-os um novo tipo social. Com o esvaziamento da educação de parte considerável deste compromisso que é, também, histórico, as gerações estão e seguirão ao relento da incapacidade também de se descolar da realidade material com competência, dando asas à fabulações em detrimento da boa fábula. É marca de boa literatura conter “verdade nas mentiras”, e caminhar por entre as abstrações da imaginação exige orientação professoral, do contrário não há guarda corpo para a proteção ao "limbo" da ignorância que em nada ajuda o debate sobre um futuro mais sustentável sobre a nossa casa comum.


[1] - Doutorando pelo CPDA/UFRRJ.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 066 - UM ALERTA PARA AS FORÇAS DEMOCRÁTICAS



Mulheres em Guerra

Por Vagner Gomes de Souza[1]

 

Nossos “analistas de plantão” sobre as eleições norte-americanas devem ter esquecido as considerações de Nicolau Maquiavel, pois a Guerra seria um assunto da política. O “pai da Ciência Política” estaria incomodado com aqueles que considerassem os atributos de um “negociador a blefar” como elemento de comportamento eleitoral. Na verdade, a Guerra é parte integrante da história dos EUA que passaram por uma Guerra Civil na luta pela emancipação dos escravos em tempos do republicano Abraham Lincoln. Não levar essa variável na derrota de Kamala Harris se deve muito aos vícios de chegar a análise com as conclusões previamente moldadas num mundo de “poalarização”.

Como não considerar dois conflitos armados e que tem apoio financeiro e logístico dos norte-americanos na escolha do eleitor norte-americano? Em 2020, Trump foi punido na “Guerra do Covid” pelo seu negacionismo. Agora, o negacionismo da “Guerra Fria barroca” de Biden que impacta numa inflação com tendências sistemática fez os democratas amargar uma derrota em maior escala que a de 2016. Lembremos de Bush pai que perdeu nos anos 90 após a intervenção no Kwait. Em seguida, os “custos da ocupação” no Afeganistão e no Iraque que ajudaram na campanha de Barack Obama como se observa no livro pouco lido no meio acadêmico e político brasileiro Uma Terra Prometida. Assim, recomendo a leitura de meu artigo “Tudo começou com o Afeganistão”[2] sobre a derrota política de Biden no debate para Trump que levou a pragmática candidatura de Harris.

Mudou-se o nome, mas a continuidade da política de “Guerra Fria barroca” foi um fator determinante na derrota do 05 de novembro. Se a perda de patrimônio é mais relevante que a morte do pai nos dizeres de Maquiavel, como não pensar que o eleitor comum americano não atribuísse a ajuda financeira e militar à Ucrânia e ao apoio militar a Israel como um fator de suas mazelas. As mulheres no mundo em guerra desamparadas e os democratas negando o óbvio e muitos plantonistas do noticiário, alinhados ao anacronismo da política externa barroca de Biden, se silenciam nesse momento sobre uma vitória que não foi “apertada”. Os chamados “estados pêndulos” penderam para a uma forte punição a esse caminho que não corresponde com os preceitos da Frente Democrática.

Entretanto, a negação da “Guerra Fria barroca” não significa uma trilha democrática, pois a literatura do populismo, alimentada pela filosofia política de Carl Schmitt, encontrou nos chamados “inimigos internos” uma nova Guerra para mobilizar o eleitorado que se sente prisioneiro dentro de seu país. O Sonho Americano morreu num momento muito delicado para os desafios da democracia. Entendemos que teremos um prolongamento desse mal-estar político por décadas uma vez que o iliberalismo ganha capacidade de interpelação da sociedade globalizada.

Mirem-se no exemplo das mulheres afegãs na retirada das tropas americanas desamparadas. Nas viúvas dos palestinos e que perdem seus filhos em Gaza. Na mãe da filhinha brasileira no Líbano que está desesperada. Das mulheres ucranianas e russas que se despedem de seus guerreiros eslavos. São aquelas mulheres que vive uma guerra e estão silenciadas. Agredidas e nada lhe são apresentadas, pois venceu a ideia de fechar a fronteira com o México num “Guerra Fake” as drogas.

Lamentamos, mais uma vez, o silêncio das forças democráticas no Brasil sobre o livro O império da Dor e ainda não observamos uma consequente ação sob o impacto das eleições municipais aqui. O nosso país deve agora se readequar a nova realidade nas urnas daqui e de alhures, mas como é difícil se afastar do sectarismo ideológico. Fique assim mais esse alerta de analista da política.



[1] Doutorando de Ciência Política no PPGCP-UNIRIO.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

SÉRIE ESTUDOS - OS QUATRO DA CANDELÁRIA E A CRISE DA POLÍTICA CARIOCA

Os Quatro da Candelária'
Foto: Guilherme Leporace/Netflix

Os Quatro da Candelária e o “mistério de Nápoles”

Por Vagner Gomes de Souza[1]

 

“(...) Ocorre ainda hoje que homens relativamente jovens (com pouco mais de 40 anos), de ótima saúde, no pleno vigor das forças físicas e intelectuais, depois de vinte e cinco anos de serviço público, não se dediquem mais a nenhuma atividade produtiva, mas vegetem com aposentadorias mais ou menos elevadas, ao passo que um operário só pode desfrutar de uma aposentadoria depois de 65 anos e um camponês não tem limite de idade para o trabalho (por isso, o italiano médio se surpreende quando ouve dizer que um americano multimilionário continua ativo até o último dia  de sua vida consciente). Se numa família um padre se torna cônego, imediatamente o ‘trabalho manual’ se torna ‘uma vergonha’ para toda a parentela; no máximo,  é possível dedicar-se ao comércio”

Antonio Gramsci - Caderno 22: “Americanismo e fordismo” pp. 245-246.

 

O seriado “Os Quatro da Candelária” é uma oportunidade para elaborar um balanço político sobre as últimas três décadas da política carioca. Em quatro episódios, nós testemunhamos as idas e vindas de seus personagens moradores de rua num país a beira da hiperinflação. Um país na “antessala” do Plano Real (1994). As considerações de Antonio Gramsci em “Americanismo e Fordismo”, provavelmente escritas em 1934, sugerem uma teoria política sobre as sociedades “infladas” pelos mais diversos níveis de “clientelismo” pela via da superestrutura estatal.

 Não busquemos frases feitas para comentar “Os Quatro da Candelária”. Elas podem esvaziar a complexidade política e social dessa série.  Lembremos que o esvaziamento econômico carioca foi, gradualmente, se consolidando na sua desindustrialização com encerramento das antigas fábricas de tecidos e outras de bens básicos. O fenômeno não foi compreendido em tempo para se perceber que, mais que uma “herança maldita” da escravidão, a sociedade carioca estava se inserindo numa nova etapa de modernização conservadora pela via do setor de serviços.

Não há rodeios no roteiro numa contagem regressiva até o desfecho que foi o “11 de setembro” das forças democráticas no município. Pela postura cada vez mais belicista das forças da segurança pública numa cidade cada vez mais esvaziada economicamente. A Candelária está na memória política da luta democrática por causa do comício das Diretas Já em 10 de abril de 1984. Os tiros da noite do dia 23 de julho de 1993 atingiram muito a nossa vitalidade democrática. Na sequência os chamados “Cavalos Corredores”; as guerras das facções criminosas; a milicialização do espaço público; os tiros numa vereadora em plena intervenção da segurança pública estadual em 2018.

Lembrai-vos do 12 de junho de 2000. Um sequestro que tem suas “linhas tênues” no episódio de 1993. A política carioca foi se entregando cada vez mais a ao esvaziamento de sua capacidade de reflexão. O distanciamento do mundo acadêmico da vida pública ficou cada vez mais evidente na baixa qualidade das assessorias políticas que predominam muitos políticos uma vez que seriam funções contaminadas pelo parasitismo do “mistério de Nápoles”.

Olhar para os desafios do Rio de Janeiro a 40 anos atrás e projetar os desafios para os próximos 40 anos – um pouco do sonho utópico “afro futurista” do último episódio. Do Jesus “surfista de trem” ou “Wakanda carioca”.  O parasitismo da cidade com suas instituições que retroalimentaram um viés mais tecnocrático na vida política através de grupos políticos de assessoramento a parlamentares com pouca vivência política. A festividade carioca foi inserida numa dinâmica mais de mercado e o liberalismo em economia se incorporou no liberalismo social das classes subalternas. Os personagens Douglas, Sete, Pipoca e Jesus se comunicam com essas transformações em que a pressão dos interesses mal compreendidos se revela. Por fim, a cena do filme “Pixote, a lei do mais fraco” (1980) é a “cereja de bolo” de uma série que convida aos jovens intelectuais a muitas reflexões.

Portanto, deslumbramos na série uma nova oportunidade para nos olhar pelo espelho da representatividade. Nos dizeres de Bernad Manin,

“(...) O governo representativo parecia, assim, aproximar-se do ideal de autogoverno, do povo governando a si mesmo. Esse progresso rumo à democracia, entendida como o governo do povo pelo povo, chegou a ser interpretado como um prolongamento da história dos Whigs ou, numa versão mais próxima de Tocqueville, como um degrau no avanço inexorável dos direitos de igualdade e autonomia dos indivíduos, que o ‘parlamentarismo liberal’ realizava de modo imperfeito.” (Bernard Manin, “As metamorfoses do governo representativo” in: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 10, n. 29, p. 5-34, 1995)

 

[1] Doutorando do PPGCP-UNIRIO


segunda-feira, 28 de outubro de 2024

TESES PARA AMPLO DEBATE NAS FORÇAS DEMOCRÁTICAS

Campanha eleitoral em 1974


Dez Teses sobre a Conjuntura Política


Tese 1. Terminou o segundo turno. Bolsonaro é um dos derrotados nessas eleições municipais. A tendência para o Centro ganha força no eleitorado.

Tese 2. Hoje há uma tendência a configuração de uma verdadeira disputa entre o Centro (diversificado entre normativos democráticos, um campo liberal financeiro e outro liberal social) e um Centro Conservador (diversificado entre centro pragmático, conservadorismo de costumes e neoliberais). São dois “campos” disputando o Centro político.

Tese 3. Os discursos de extremismo tanto com roupagem de Direita e/ou de Esquerda, na verdade, são expressões do mal-estar da sociedade brasileira que não se encaixa nessa tendência predominante de Centro que é vinculada ao sistema político institucional. Esses extremistas seriam os anti-institucionalidade.

Tese 4. A ausência de um debate político programático diante da crise, incluso o do mundo universitário em formular uma opinião para a sociedade, o que se torna uma tendência alarmante. A universidade de espaço do debate plural se transforma numa “terra rasa” de Inquisições e/ou de Performances. Não se preocupa mais com a opinião democrática, mas com a lacração com certificados.

Tese 5. Se o ensino superior atingiu esses níveis de distanciamento do compromisso histórico com a modernidade apostando numa pós-modernidade, o nível básico de ensino está entregue as velhas lutas corporativas e enquanto os analfabetismos avançam, incluso o funcional, diante do uso excessivo das telas que pouco ou nada informam. Sem ler o mundo e ter uma visão mais abstrata da sociedade, a juventude está deixada ao reboque das posturas políticas disfuncionais.

Tese 6. Análises de que haja um “pobre de Direita” é uma nova roupagem da frase de que o “pobre não sabe votar”. Na verdade, se foge de um balanço político sobre os anos de governos feitos sob a égide da moderação. Desde a primeira aliança vitoriosa PT-PL e coligados em 2002. Logo, não houve a postura de se empenhar no aprimoramento das instituições políticas democráticas, pois seu principal instrumento foi esvaziado: o partido político.

Tese 7. As pautas liberais de interesse de reconhecimento social no mercado não dialogaram com as instituições políticas pois elas foram apresentadas como herdeiras do “atraso político”. Essa dinâmica ajudou na construção da interpretação anti-institucionalidade que foi capturado pelos extremistas.

Tese 8. Na dinâmica de se tornar cada vez mais flexível ao mundo social, o empreendedorismo é a nova realidade da “revolução dos interesses”. O Estado é o principal responsável pelos problemas da sociedade e nada de se apresentar uma solução democrática. O analfabetismo funcional vai formar que sociedade empreendedora? Esse tipo de discurso sem a questão democrática poderá criar os “campos de concentração” de trabalhadores domésticos. A orientalização de nossa sociedade pelo atalho do americanismo pode inibir a qualidade de nossa democracia.

Tese 9. A Constituição de 1988 ainda vive, mas até quando essa sociedade doutrinada para servir ao mercado pelos meios de comunicação e os Influencers vai suportar isso? Logo, a Frente Democrática é necessária hoje para um novo embate. Não é contra Bolsonaro e o bolsonarismo, mas o grande problema está nas forças do liberalismo malcompreendido enraizado na mente individualista.

Tese 10. Portanto, as forças políticas do campo democrático devem se reunir numa ampla Conferência Nacional para debater os próximos passos sem ficar refém dos calendários eleitorais. A tarefa é complexa pois o Governo da Frente Democrática não se fez bem como ainda não se fez o Ministério de Frente Democrática, pois se perdeu nas demandas da revolução dos interesses. Contudo, não é a Esquerda que está sem rumo. A Democracia que está à procura de um pouco de ar para respirar no Brasil.

 

27 de outubro de 2024

Assina esse documento o “Caminho Democrático” integrado por militantes políticos sem assento nas direções partidárias ou sem filiação as mesmas.


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

BOLETIM BRASÍLIA CONECTION - BBC 065 - QUEM TEM MEDO DA FRENTE DEMOCRÁTICA?

Empreendorismo doença senil do esquerdismo

 

Euclides Ulianov da Cunha[1]

 

“Marcados pela própria natureza

O Nordeste do meu Brasil

Oh! solitário sertão

De sofrimento e solidão

A terra e seca

Mal se pode cultivar

Morrem as plantas e foge o ar

A vida e triste nesse lugar(...)”

Marçal escreveu...

 

Faltando poucos dias da realização do segundo turno no maior município do país ocorreu um “apagão” na análise política daqueles que se consideram como representantes do campo da esquerda. Na verdade, a dificuldade de raciocínio sobre a política eleitoral em conexão com a conjuntura já vinha desde a insistência numa candidatura que tinha elevados índices de rejeição.

Tamanha escolha aparenta ser coisa de principiante. Mas, sabemos que em tempos de cláusula de barreira, um “puxador de legenda” em 2026 vale muitos recursos públicos do Fundo Eleitoral de Campanha. Rasguemos as “máscaras” desses liberais das urnas. Silenciam sobre a Frente Democrática necessária com o MDB, PSD, PSDB, CIDADANIA e setores democráticos do PL para fazer uma reinvenção de uma marca televisiva.

Pequenas votações e grandes negócios. Eis a nova marca dos renegados que se consideram monopolizadores da Esquerda. Não se respeita o lugar de fala nesse momento de aventuras eleitorais em nome da conquista de um novo sujeito: o pobre de direita.

Lamentavelmente o que está pobre é a capacidade de análise da conjuntura política que não percebe que os indicadores sociais seriam mais graves que se pensava ao assumirmos o Governo na subida da rampa que deixava para trás inúmeros aliados que contribuíram para uma vitória apertada. Não temos monopólio da vitória das urnas, pois ganhamos num plebiscito contra as forças reacionárias com fôlego para nos assustar. Então, o que explica essa candidatura que não apresentou nada de relevante sobre a onda de calor, mas diz ter uma revelação surpresa sobre o atual mandatário de São Paulo?

A ideia de uma Frente Ampla para acumular votos é o que se suspeitava desde o começo em que muitos criaram uma falsa oposição com um Prefeito de um partido aliado ao nosso Governo. Foi no Governo do MDB que trouxeram a vice de uma campanha que olha para a volta das comunidades de trabalhadores domésticos como se seria o a utopia do capitalismo pré-industrial – essas seriam categorias de esquerda ou não? Temos uma candidatura perigosamente a alimentar o populismo do empreendorismo como se fosse uma abertura ao diálogo com as periferias.

A morte dos atores políticos se aprofunda na “Carta de São Paulo” como se fosse um museu de grandes novidades. Estamos indignados pois o mundo acadêmico ficou em silêncio diante dos números profundos das raízes da desigualdade do Censo de 2022. Vimos um debate sobre as cores da sociedade brasileira, mas o que dizer sobre uma população que envelhece e adoece? Quem vai pagar o plano de saúde do motorista de UBER ou da dona do salão de beleza?

Após a provável derrota, ouviremos mais uma vez as ladainhas do imposto sobre grandes fortunas e sobre o imposto progressivo sobre os imóveis ou até sobre a reforma trabalhista neoliberal de 2017. Sejamos mais simples em reconhecer que parecia revolução, mas era apenas neoliberalismo social. O “Fujimorismo” fez sua inserção tardia em alguns aprendizes de assessoria de campanha.

Solicito que não se autodeclarem como de Esquerda Unida, pois não contam com meu voto e de um importante segmento que desde o primeiro turno defendeu a candidatura da situação, pois é uma Frente Democrática com suas contradições. Hoje o Governador Tarcísio se afasta do “bolsonarismo” da mesma forma que um dia se afastou da Presidente Dilma. Estamos acompanhando esses movimentos, pois a política não se faz com coxinhas de jacas vendidas no Capão Redondo.

E esperemos que haja um aprendizado político com essa derrota política e eleitoral. Não inventem candidaturas segmentadas ao Senado no futuro próximo. Comecem por reconhecer que ainda estou aqui.

 



[1] Pseudônimo de ex-dirigente sindical da esquerda que não seguirá seu Partido nas eleições do próximo Domingo. Recebemos esse artigo via e-mail e o postamos aqui por reconhecer esse espaço como plural e defensor de um debate necessário que está sendo dirigido no "campo da esquerda" por setores liberais.